sábado, 19 de janeiro de 2013

[Novel] No. 6 Volume 3 Capítulo 1

No.6 3 

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(Parte A)

Capítulo 1: As coisas bonitas...

Distante, e zomba do tempo com o show mais estranho:
O falso rosto deve esconder o que o falso coração tem conhecimento

- Macbeth Ato I Cena VII [1]

O céu estava azul e brilhante. Os raios do sol, ao se aproximar do meio-dia, estavam suaves e quentes. Era uma tarde de clima temperado que fazia a frigidez de alguns dias atrás parecer um sonho.

Shion levantou o rosto e apertou seus olhos quando olhou para o céu azul.

Ele pensou que estava lindo.

O céu estava lindo. A brancura ofuscante da ruína desintegrada quando refletia a luz do sol era linda. A bolha de sabão estranha que flutuava como que por magia era lindo. O brilho do pêlo de um cachorro recém-lavado era lindo.

Todas as pequenas coisas que o cercava eram lindas. Uma bolha solitária flutuava de novo e deslizava na brisa suave.

"Ei, para de dar bobeira," a voz de Inukashi o chamou. "Ainda há toneladas de cães sobrando. Fique se distraindo assim a cada minuto, e o sol vai se pôr antes que você chegue na metade do serviço."

Como se de acordo com a reprimenda de Inukashi, um grande cão branco coberto de espuma deu um rosnado baixo.

"Opa, me desculpe."

Shion enfiou as mãos de volta na água de sabão e lavou o cão com as pontas dos dedos. O cão, evidentemente, achou muito agradável, seus olhos estavam fechados e sua boca pendeu semiaberta. Hoje era só a segundo vez de Shion em seu trabalho de lavagem de cães, mas ele já tinha aprendido que os cães tinham muitas expressões faciais diferentes. Eles também variavam em personalidade e tendência: alguns eram preguiçosos, outros diligentes; alguns eram tensos, outros descontraídos, poderiam ser calmos, impacientes, indisciplinados – tudo isso era novo para ele.

O cão branco que ele estava lavando agora era uma fêmea muito velha. Ela era gentil e inteligente, e lembrou-se da velha sábia que muitas vezes aparecia em contos.

"Shion, você está gastando muito tempo em cada cão. Quanto tempo você leva para lavar apenas um?" Inukashi, com seu longo cabelo amarrado na parte de trás e espumas de sabão em seu nariz, fez uma careta para ele.

"Você aluga esses cães para servir de cobertores, não é?" Shion respondeu. "Eles precisam ser limpos adequadamente, então."

"Uma lavagem rápida é suficiente. Os clientes são todos como vagueadores sujos de qualquer maneira, os bastardos."

Em um edifício com a maior parte reduzida a escombros, havia uma parte que ainda retinha um pouco uma aparência do hotel que costumava ser. Inukashi alugava o espaço como alojamento durante a noite para quem não tinha nenhum lugar para ficar. Ele alugava os cachorros se preparando para o próximo inverno. Viajantes passavam a noite enterrados entre vários cães, e por isso eram capazes de evitar se congelarem até a morte. Shion tinha sido contratado para lavar estes cães.

"Inukashi, eu não acho que isso seja uma coisa aprazível para dizer sobre os seus clientes."

"Hein? O que você disse?"

"Não é bom chamar seus clientes de bastardos, ou chamá-los de sujos".

Inukashi esfregou o nariz com as costas da mão, e deu um espirro pequeno.

"Você é a minha mãe ou o que, Shion?"

"Não. Eu fui contratado por você para lavar seus cães."

"O que faz de mim o empregador e você o empregado. E o seu trabalho é calar a boca e fazer o que você disse."

Inukashi puxou o cão branco das mãos de Shion, e começou vigorosamente a lavagem do cão despejando a água que havia retirado do córrego sobre ele.

Na parte de trás das ruínas, era onde corria um rio pequeno e limpo. Não muito tempo depois de Shion ter escapado da Nº 6 para o Bloco Ocidental, ele quase morreu por causa de uma vespa parasita que se plantou em seu corpo. Embora ele estivesse inconsciente na maior parte do tempo com dor e febre alta, ainda se lembrava claramente do gosto da água, fria e deliciosa que havia escorregado várias vezes em sua garganta.

Quando ele agradeceu Nezumi por lhe tratar e dar água, ele havia obtido uma resposta áspera de que havia uma nascente decente por perto. Talvez este fluxo se originava daquela nascente.

"Inukashi, não faça isso. Todo o sabão está indo para o rio." Shion rapidamente conteu as mãos de Inukashi. A espuma se balançava na margem enquanto se afastava.

"E daí?"

"Todo mundo bebe desse fluxo, não é?"

"Bem, sim, claro. Nós não temos quaisquer instalações extravagantes que lhe dão higiene e água com temperatura controlada quando se aperta um botão. Todo mundo tira a água diretamente do rio ou da nascente."

"Então você não pode sujá-lo. Isso é ruim para as pessoas que vivem abaixo do rio".

Inukashi olhou para o rosto de Shion por um breve momento.

"E por que eu deveria me importar com as pessoas que vivem abaixo do rio?"

"Bem, eu quero dizer..." Shion vacilou. "Se você sabe que as pessoas que vivem abaixo do rio vão beber a água a partir daqui, você não gostaria de torná-la suja para eles. Isso é normal, certo?"

"Normal? Estamos falando dos padrões de quem, Shion? Este é o Bloco Ocidental. Você não seria capaz de sobreviver aqui se você saísse por aí colocando todos os outros em primeiro lugar."

"Sim, mas não há necessidade de tornar o rio sujo", Shion protestou. "Nós podemos fazer o que fizemos ontem e colocar água em tambores de aço e lavar os cães lá."

"Ontem só tivemos cães pequenos. Para a sua informação, Shion, nós deveríamos ter terminado com todos os cães ontem. Você dando bobeira está nos custando. Você entende isso, certo?"

"Sim".

"Não só você é terrivelmente lento, como os cães que estamos lavando hoje são todos grandes. E não é só isso, há porrada deles, sacou? Se tirar água do rio para cada um e de cada vez , levaria a eternidade."

Então Inukashi parou e encolheu os ombros ligeiramente.

"Mas se você quer tirar água do rio por conta própria, eu não vou ficar te enchendo."

"Tudo bem. Vou fazer isso."

"É trabalho pesado, cara."

"Eu sei."

"Aliás, eu só estou te pagando para lavar os cães. Levar a água é algo que você está fazendo inteiramente por conta própria."

"Eu não me importo."

"Bem, então mãos à obra. Vou almoçar."

O cão branco agitou-se vigorosamente e gotas de água voaram em todas as direções. Shion pegou o balde que Inukashi tinha jogado nele, e tirou um balde cheio de água do rio.

"Shion", Inukashi disse abruptamente.

"Hm?"

"Por quê?"

"Por que o quê?"

"Porque eu não deveria falar mal de meus clientes? Por que eu tenho que me preocupar com as pessoas abaixo do rio?"

Shion olhou para o rosto bronzeado de Inukashi quando ele sentou no topo de uma pilha de escombros.

"Porque nós somos iguais."

"Iguais?"

"Eles são seres humanos como nós. Então..."

Inukashi de repente jogou a cabeça para trás e riu. Sua voz soou e foi sugada para o céu azul brilhante. Vários cães começaram a latir agitados.

"Somos iguais, hein? Ha ha, você quase me fez rolar. Nunca ouvi essas palavras antes em minha vida. Shion, honestamente é isso o que você acha?"

"Sim, tem algum problema?" Shion disse resolutamente.

Inukashi saltou dos escombros e se aproximou dele. Ele tinha uma estatura pequena, e sua altura só chegava até cerca aos ombros de Shion. Seus braços e pernas finas se sobressaíam de suas roupas pretas, e sua pele tinha uma tonalidade morena.

"Então, meus clientes imundos, e os pirralhos que vêm aqui para tirar água são seres humanos iguais a nós?"

"Sim".

"Você e eu somos humanos iguais?"

"Sim".

Inukashi levantou o braço e o estendeu para cima, para o sol do meio-dia.

"As pessoas de Nº 6, são seres humanos iguais a nós?"

Shion balançou a cabeça lentamente, e respondeu.

"Sim".

O bronzeado suave da pele de Inukashi brilhava à luz do sol, e sua longa franja lançava uma sombra sobre a testa e os olhos. Sob o véu, os olhos castanhos piscaram algumas vezes para ele.

"Shion, você vai morrer."

"Hein?"

"Sua cabeça está nas nuvens ou algo assim? Se você continuar acreditando nessa sua fantasia, você nunca vai sobreviver aqui."

"Nezumi me diz a mesma coisa", disse Shion. "Que eu tenho minha cabeça nas nuvens."

"As nuvens não seriam alto o suficiente, na verdade. Sua cabeça deve estar no espaço, ou algo assim. Eu não sei o que o espaço deve ser, mas é realmente alto, certo? E às vezes você se queima, bem assim mesmo, antes mesmo de chegar lá."

"Eu nunca fui para o espaço, mas sim, eu acho que é realmente alto[2]."

Inukashi subiu agilmente as ruínas, e sentou-se com o céu azul às suas costas. Ele balançou as pernas na borda, e falou baixinho, como que para si mesmo.

"Eu me pergunto por que mesmo que Nezumi te hospeda. Ele odeia pessoas que são de conversar, e irrealistas".

"Inukashi, você é íntimo de Nezumi?"

"Íntimo? O que você quer dizer com íntimo?"

Shion carregou o balde no caminho de grama seca e entulho, e despejou a água no tambor de aço.

"Isso significa que você sabe muito sobre o outro."

"Ah, se esse é o caso, então não. Sei menos que a ponta do rabo do cara, e eu não gostaria de saber." Enquanto ele falava, Inukashi apontou para o filhote marrom claro que estava caindo perto dos pés de Shion. Sua cauda tinha a ponta branca.

"Eu pensei que eram amigos, mas eu acho que eu estava errado..."

"Amigos!" Inukashi exclamou, incrédulo. "Outra palavra que não se ouve com frequência. Amigos. Ha, ridículo. Nezumi só vem aqui quando ele quer a informação que eu ou os meus cães recolhemos. Dou informações a ele, e ele me dá dinheiro. É isso, isso é tudo."

Inukashi ficou em silêncio. Seu olhar vagou, colidiu com o de Shion, e deslizou para longe.

"Não é apenas a informação e o dinheiro que vocês comerciam", Shion disse. Uma afirmação, não uma pergunta.

"Uh... bem, de vez em quando, ele... canta para mim."

"Canta?"

"Ele tem uma boa voz. Então eu... eu o procuro para cantar. Às vezes, quando meus cães morrem... Tudo bem quando você acorda e eles já estão mortos, mas... às vezes, eles estão doentes ou feridos, e não morrem tão facilmente, e eles... eles sofrem. Dói tanto para eles, eles choramingam durante toda a noite. É quando eu o procuro para cantar. Eu não sei qual é o nome da música. Mas... eu não sei como descrever isso... eu não sei, o que seria? " Inukashi murmurou para si mesmo.

"Como é?"

"Hein?"

"A canção de Nezumi. A voz de Nezumi. Se você tivesse que compará-lo com algo, o que seria?"

Inukashi inclinou a cabeça para o lado, e ponderou em silêncio. Shion também silenciosamente continuou levando baldes cheios de água. Ele fez várias viagens entre o rio e o tambor de aço, e quando mais da metade havia sido preenchida, Inukashi abriu a boca novamente.

"O vento, talvez...?" ele disse hesitante. "Um vento que vem soprando de longe... sim, sua canção rouba as almas que estão lutando para não morrerem. Assim como o vento que espalha as pétalas de flores, sua canção corta a alma para longe do corpo. Qualquer cão , não importa o quanto ele está sofrendo, fecha os olhos e fica quieto. Você acha que ele só se acalmou, mas na verdade ele não está respirando. Todos eles morrem silenciosamente, como se todo o sofrimento fosse apenas um sonho ou algo assim." Ele fez uma pausa. "Foi assim com a minha mãe, também."

"Sua mãe faleceu?"

"É. Ela foi morta por um casal de pirralhos que vivem abaixo do rio, para aqueles que você disse que eu não deveria sujar a água. Atiraram pedras nela, e apanhou até a morte com um bastão de carvalho. Mas minha mãe tinha a culpa nisso também. Ela tentou roubar o único jantar deles. Ela entrou sorrateiramente em sua cabana, e foi pega segurando a carne seca em sua boca. Quando ela finalmente escapou e conseguiu voltar, as suas duas pernas da frente e costelas estavam quebradas, e ela estava sangrando na boca. Não havia nada que pudéssemos fazer."

Tendo terminado de encher o tambor com água, Shion limpou o suor da testa. Ele não conseguia entender as palavras de Inukashi.

"Inukashi, isso de pernas da frente... quer dizer as de sua mãe, certo?"

"É. Ela é um cão."

"Um cão?"

Shion podia sentir seu queixo cair. Inukashi olhou para ele e deu uma risada. Sua voz era alta e soou de forma clara no ar.

"Eu fui despejado aqui quando eu ainda era um bebê", explicou. "O velho que me pegou foi um maluco que vivia aqui com os seus cães, e ele me criou junto com eles. Minha mãe me dava leite. Ela me lambia, e se enrolava comigo para dormir. Quando ficava frio, ela se amontoava perto de mim e de meus irmãos – seus filhotes – nos mantendo quente. Ela costumava dizer, pobrezinho, você não tem pêlo, mas pelo menos você fica fresco no verão e não tem pulgas. Ela me dizia isso de novo e de novo, e me lambia até que eu ficasse limpo."

"Ela deve ter sido uma grande mãe", Shion disse suavemente. "Gentil e atenciosa."

Inukashi piscou várias vezes.

"Você realmente acha isso, Shion?"

"Eu acho. Ela te acarinhava. Como você não tinha pêlo, ela te protegia e fazia com que você não congelasse."

"É. Mãe sempre foi muito boa. Ainda me lembro como era a sensação de sua língua. Era quente e úmida... engraçado, eu nunca consigo esquecer isso."

"É o dom da memória."

"Hein?"

"É um presente da mãe para o filho. Memórias que sua mãe deixou para trás para você."

Inukashi parou de balançar suas pernas, e jogou o queixo para trás.

"Eu nunca tinha pensado nisso assim..." ele disse, pensativo. "O dom da memória, hein..."

Shion ajoelhou-se à beira do rio e bebeu um gole de água.

Estava fria. Correu pelo seu corpo inteiro, e estava deliciosa.

Ah, sim, é essa água.

Era a água que saciou o seu corpo exausto como um elixir após sua batalha com a vespa parasita. Não só o seu corpo – a partir do momento em que a água havia deslizado pela sua garganta e ele a achou deliciosa, o ser inteiro de Shion foi revivido novamente. Ele acreditava nisso.

Esta água estava conectada com o que significava estar vivo. Esta frescura, este sabor. Ela estava ligada com a voz que o chamara, dizendo-lhe, não morra, viva, venha rastejando novamente à se levantar.

Era por isso que ele iria se lembrar disso para sempre. Não havia maneira de que ele pudesse esquecer. Profundamente dentro de Shion, esta água e aquela voz haviam estabelecido as suas raízes, e que continuariam a prosperar, nunca a murchar. E, às vezes, ele flutuaria à superfície da sua consciência e, toda vez, ela iria sussurrar para ele.

Não morra. Viva. Venha rastejando novamente à se levantar.

Era o dom da memória, de fato.

"Vou te trazer almoço." Inukashi ficou sobre os escombros, e falou em um tom que soou como um comando. "É melhor ter terminado com esse preto na hora em que eu voltar. Eu não vou deixar você almoçar até terminar."

"Uau, eu ganho até mesmo o almoço? Isso é bom vindo de você."

"Eu apenas não sirvo isso para ninguém, você sabe. Essa é uma refeição inteiramente completa. E com completa eu quero dizer duas coisas: pão e frutas secas."

"Isso é mais que suficiente."

Passando uma escova no pêlo do cão preto, Shion sorriu para Inukashi. Meses se passaram desde que fugiu para o Bloco Ocidental e a fome crônica corroia Shion persistentemente. Às vezes ele gostaria de preencher a sua falta de comida com muita carne, peixe e ovos, e ele ansiava pelo pão e bolos que sua mãe Karan assava. Mas, em contraste, as coisas que ele antes nunca havia sequer conhecido como alimento – sopa feita com pedaços e sobras de legumes, e pão que estava começando a mofar – lhe fizeram água na boca, e saciaram seu apetite.

Ser capaz de comer é o suficiente.

Aqui, todo mundo morria de fome. Eles passavam fome, congelavam, e faleciam. Shion sabia por conta própria como era preciosa a fatia de pão que Inukashi estava prestes a lhe dar.

Ele olhou para o céu, o sol estava brilhante. Esta luz também brilhava sobre N° 6. Seu antigo local de trabalho no Parque Florestal, a área residencial de alto padrão de Chronos, a Cidade Perdida, onde sua mãe vivia, e aqui, o Bloco Ocidental, eram banhados com a mesma luz. Mas as coisas eram muito diferentes.Muito diferentes.

Dividida por um muro especial feito com fusão de metais, prosperidade e pobreza se situavam um em oposição ao outro. Vida e morte. Luz e escuridão. Na mesma hora em que uma festa extravagante estava acontecendo no interior de Nº 6, onde as pessoas tinham vários pratos elaborados e deliciosos, em um canto do Bloco Ocidental, uma pessoa idosa vestida com trapos morria de fome. Enquanto meninos e meninas de Nº 6 iam se aninhar em suas camas em seus quartos com ar condicionado, as crianças nas barracas do Bloco Ocidental se amontoavam perto um do outro para evitar o congelamento até a morte.

Era a verdade que Shion havia visto com os seus olhos. Havia muito poucas coisas que eram como a luz do sol, distribuída de forma igual e amplamente entre todos.

"Vai trabalhar, então" Inukashi cuspiu, e desapareceu nas sombras da ruína.

Tudo o que restava da entrada, a qual provavelmente foi uma vez ladeada por grossas portas de madeira, eram pares de dobradiças enferrujadas. Toda vez que o vento soprava, seu ruído estridente agredia os ouvidos. Inukashi passou por aquela entrada para subir as escadas para o segundo andar. Algum tipo de consideração arquitetônica havia deixado esta parte específica do edifício, que costumava ser um hotel, resistindo contra os elementos. Durável que fosse, o reboco ainda se descascava das paredes, e os corredores e tetos estavam com incontáveis rachaduras.

Edifícios também possuíam uma vida. A partir do momento em que eles eram abandonados começavam a decair. Eles começavam a morrer. Este hotel, que havia se tornado uma ruína, ainda continuava se desintegrando e decaindo. Marchava firmemente para a destruição, nem detestando a crueldade de seus donos humanos, nem lamentando seu destino.

Inukashi ocasionalmente se perguntava o que ele iria fazer uma vez que este edifício se desmoronasse completamente em escombros.

O velho que tinha pegado ele, que lhe deu leite de cão e o ensinou a falar e a escrever, não estava mais aqui. Ele havia saído em um dia de neve, para nunca mais voltar.

Neve? Estava nevando? Talvez estivesse trovejando naquele dia. Ou pode ter sido uma manhã com ventos fortes... de qualquer forma, o velho desapareceu. Ele desapareceu, sem deixar nenhuma palavra de despedida.

Ele não estava sozinho, porque tinha seus cães. Desde aquele dia até agora, ele viveu aqui com eles. Ele não conhecia outra casa. Também não conhecia nenhuma outra companhia humana. Provavelmente o mesmo aconteceu com Nezumi. Ele pode ter ido a mais lugares que Inukashi, mas ele provavelmente morava sozinho, sem conhecer ninguém, nem nunca teve a necessidade de conhecer. Inukashi assumiu isso, por nenhuma razão em particular. Ele não tinha motivos para seu argumento, mas achava que não estava totalmente errado. Inukashi tinha o sentido do olfato aguçado. Nezumi sempre carregava somente o cheiro da solidão. Quando aquele cheiro embaçou, e Inukashi começou a notar um cheiro misto de outro, Shion tinha aparecido junto a ele.

Ele era estranho. Ele era muito estranho. Seu cabelo era branco como neve e tinha uma cicatriz vermelha. Embora Inukashi não tivesse certeza, ele ouviu dizer que a cicatriz cobria o corpo inteiro de Shion como uma serpente enrolada. Mas em termos de aparência, havia toneladas de pessoas que estavam mais estranhas que ele. Sua aparência não era a única coisa – Shion também era estranho por dentro. Ele disse para não sujar a água para os pirralhos abaixo do rio. Ele disse que as pessoas dentro da Cidade Santa e as pessoas como nós eram iguais. E ele falou sobre o dom da memória. Não como um tipo de piada ou sarcasmo, mas com toda a seriedade.

Ele era estranho. Muito estranho. Porque é que o Nezumi ronda um esquisitão como ele?

Inukashi caminhou pelo corredor e abriu a porta no final do mesmo.

"Nezumi".

Nezumi estava sentado em uma cadeira com os pés em cima da mesa.

"Você não pode nem mesmo bater antes de entrar na sala?" Inukashi disse irritado. "Alguém não aprendeu boas maneiras da Mamãe. Nossa". Ele, então, dirigiu um golpe com todas as suas forças para o par de longas pernas que descansavam sobre a mesa. Nezumi fungou levemente em escárnio, e retirou as pernas.

"Eu chamei antes de entrar. Esse cachorro me deu permissão." Um cão com manchas pretas sobre seu pêlo estava deitado em um canto da sala. Ele inclinou a cabeça para o lado, e deu um bocejo largo.

"Se você está aqui para pegar Shion, está cedo. Se ele continuar indo nesse ritmo, provavelmente não vai terminar até à noite."

"Pegar? Nunca."

"Mas ele brigou com os Faxineiros, não foi? Não é perigoso deixá-lo andar sozinho? Vou mandá-lo com um cão no caminho de casa, de qualquer maneira."

"Isso é suficiente."

"Mas os Faxineiros não desistem facilmente. Esse cara se destaca, e se ele for pego, quem sabe o que poderão fazer com ele."

Os olhos cinzentos de Nezumi brilharam, e um leve sorriso apareceu em seus lábios.

"Será que importa para nós o que os Faxineiros fazem com Shion? Qual é, Inukashi? Você está sendo muito bom. Não te reconheço."

Inukashi encarou Nezumi silenciosamente.

O pequeno teatro era uma das poucas instalações de entretenimento no Bloco Ocidental. E como alguém que estava sobre o palco, Nezumi fazia a sua audiência pagar – ou melhor, fazia-lhes quererem pagar – o pouco dinheiro que tinham para um show que lhes forneciam nenhuma nutrição física. Era a formosura profunda da voz clara de Nezumi que os faziam querer pagar. Sua voz colocava as almas que estavam presas e as que estavam morrendo para descansarem, gentilmente as separava do corpo. Sua aparência tornava impossível discernir se ele era homem ou mulher, humano ou demônio, Deus ou Diabo. Sua audiência, em uma breve fatia da noite, poderiam esquecer as dificuldades do dia e as tristezas do dia seguinte, e deixavam-se imersos e intoxicados pela sua voz.

Uma vez ao lado de fora das portas gastas do teatro, a realidade esperava por eles – sem dinheiro no bolso, as crianças chorando por comida em casa – mas apesar disso, os rostos das pessoas estavam sempre cheios de contentamento bêbado enquanto elas se espalhavam aqui e ali na escuridão.

É tudo uma ilusão. Ele é apenas uma grande fraude.

Toda vez que ele se encontrava com Nezumi, Inukashi mentalmente cuspia essas palavras da boca do estômago. Nezumi era como a bela amante que manipulava os homens e sugava tudo o que eles tinham de valor. Inukashi tinha passado por essa experiência uma vez, também.

Mãe estava sofrendo muito, eu não sabia mais o que fazer além de chamá-lo. Pedi-lhe para fazer a alma da minha mãe ir pacificamente. Isso foi bom. Sua música foi impressionante, e a minha mãe foi liberada do sofrimento. Mas o que ele fez antes disso – a enorme quantidade de dinheiro que ele exigiu enquanto minha mãe estava ali sofrendo – era dinheiro o suficiente para eu viver um mês inteiro sem trabalhar. Com qualquer outro cão, eu teria desistido. Eu cortaria sua garganta, ou esmagaria seu crânio com minhas próprias mãos, e o deixaria morrer de uma morte rápida e fácil. Mas eu não podia fazer isso com a minha mãe. Eu nunca poderia fazer isso com ela com minhas próprias mãos. Ele sabia disso, e é por isso que ele exigiu aquela quantidade. Depois de enterrar minha mãe em seu túmulo, eu e os cães tivemos de trabalhar por três dias sem comida. Ele é uma fraude. Ele captura a alma das pessoas, as reprime, e lhes mostra um sonho fugaz. Pode ser vivido, mas ainda é falso. Sonhos são sonhos. Você não pode viver neles.

Inukashi destrancou o armário e pegou pão e um saco de frutas secas.

"Se você não está aqui para pegar Shion, por que você está aqui?"

"Você pode me oferecer almoço? Eu estou morrendo de fome."

"Engraçadinho," Inukashi disse em uma voz zombeteira. "Eu não tenho nada apropriado para um astro como você. Mas se você me pagar uma moeda de prata, eu posso lhe dar pão, frutas e água."

"Uma moeda de prata para um pão bolorento, frutas secas e duras e água do córrego? Isso é extorsão, Inukashi".

"Mais barato do que quanto custa o seu canto."

Nezumi riu suavemente.

"Você ainda guarda rancor por isso?"

"Claro que guardo, merda."

"Eu cantei para seus cães tantas vezes depois disso. Poderia muito bem ter sido caridade pelo valor que eu tomei como pagamento."

"Isso é o que me irrita ainda mais. Você se aproveitou de mim. Fui enganado, você ficou com todo o dinheiro que eu tinha naquele momento. Eu fiquei muito perto de morrer de fome."

"Bem, se isso acontecer de novo, sinta-se livre para me ligar", disse Nezumi amigavelmente. "Eu vou cantar uma canção sobre comida para você, e te ver partir."

"Repleto de compaixão, né?" Inukashi retrucou. Ele encolheu os ombros, e ficou em frente de Nezumi. Ele fez sua pergunta mais uma vez.

"O que você quer?"

Nezumi, ainda profundamente sentado na cadeira, jogou uma moeda única para a mesa. Os olhos de Inukashi se arregalaram.

(Parte B)

"Ouro..." ele sussurrou.

"É real. Veja por si mesmo."

Inukashi comprimiu a moeda brilhante entre os dedos, e olhou para ela.

"Você está certo, é real. Sim. Essa coisa é de verdade."

"Eu quero que você faça um trabalho para mim", Nezumi disse em uma voz inexpressiva.

"Trabalho? Um trabalho que vale uma moeda de ouro?"

"Isso é o pagamento adiantado. Depois que o trabalho for feito, vou lhe dar uma outra moeda de ouro."

"Grande gastador, né? Mas eu não vou querer." Inukashi jogou a moeda de volta sobre a mesa.

"Você está recusando um trabalho que vale duas moedas de ouro, sem mesmo ouvir sobre isso?"

"Eu estou recusando porque é um trabalho que vale duas moedas de ouro. Posso sentir o mau cheiro."

"Mau cheiro?"

"O cheiro do perigo. Meu nariz está me advertindo – ele está dizendo, não vá lá, ou você vai ser morto. Eu não me importo com o quanto dinheiro que você vai empilhar. Se eu morrer, está tudo acabado. De qualquer forma, todo o trabalho que envolve um Rato e que vale duas moedas de ouro é como enfiar a mão em um ninho de cobras venenosas. Eu não quero morrer ainda."

"É por isso que você recebe o dinheiro sem morrer – não é isso o que fazer um trabalho significa? Evitar o perigo não vai te fazer lucrar."

"Depende do nível de perigo. Todos os seus trabalhos são perigosos e complicados. São duas moedas de ouro que estamos falando aqui. Se outra pessoa viesse até mim com este negócio, eu teria pegado em uma fração de segundo. Droga", Inukashi resmungou. "Eu já me sinto roubado."

Nezumi se levantou, e guardou as moedas de ouro.

"Isso é muito ruim. Acho que não tem jeito."

"Sem ressentimentos. As coisas são muito arriscadas com você. Para ser honesto, eu não quero fazer negócios com você."

"Então isso é mútuo", Nezumi disse alegremente. "Tudo bem. Não vamos nos meter mais um com o outro. Eu nunca vou ir até você com um trabalho novo. Quanto a você, não importa o quanto você sofrer, certifique-se que você não venha a mim por isso."

Inukashi apressadamente agarrou o braço de Nezumi quando ele virou as costas. Ele pulou tão de repente que quase tropeçou em si mesmo.

"Es-Espere um minuto, Nezumi. O que você quer dizer com não importa o quanto eu sofrer?"

"Eu te disse. Se você acabar como sua mãe um dia e se estiver sofrendo porque você não pode morrer, não vai ter nada a ver comigo. Você pode me chamar, mas eu não virei."

"O que você está falando...?" Inukashi disse com voz trêmula. "Eu, passando por uma morte dolorosa? Isso nunca iria acontecer... Além disso, eu sou mais jovem que você, não é? Acho que sim, pelo menos."

Nezumi preguiçosamente sacudiu a mão de Inukashi.

"Inukashi, a idade não importa neste lugar. Você sabe disso, não é? A morte nunca pode ser prevista. Ela só vem. E quantas pessoas aqui têm a sorte de morrer sem dor, né? A maioria sofre, sofre, e morre se contorcendo. Amanhã, alguém pode esfaquear seu estômago. Você pode quebrar o seu crânio em pedacinhos nos restos de escombros. Você pode ter bactérias em uma ferida, apodrecê-la, e apodrecer vivo. Você pode aparecer com uma doença grave. Pode garantir que nada disso vai acontecer com você? Hum, Inukashi? Você pode dizer com certeza que você, acima de todas as pessoas, vai morrer sem sofrimento?"

O par de olhos cinzentos se ergueu nele. Eles tinham o brilho de um pano fino, e brilhavam vagamente como as nuvens quando envoltas ao sol. Sua voz profunda reverberou em seus ouvidos.

Inukashi sugou uma respiração, e deu um passo para trás.

Era um truque. Uma ilusão. Ele está tentando me sugar.

"Sofra o tanto quanto você puder por não poder morrer. Eu não vou me envolver. Tudo bem para você, certo?"

Inukashi se afundou em uma cadeira.

Ele conheceu a morte. Ele a tinha visto inúmeras vezes. Nenhuma dessas vezes poderia ser chamada de decente. Era por isso que – era por isso que ele queria permanecer vivo. Sentia-se como se pelo tanto que ele tinha sobrevivido, fosse capaz de experimentar uma morte mais ou menos melhor. Embora muito insignificante para chamar de esperança, Inukashi admitiu sentir uma espécie de desejo de morte pacífica.

Droga.

Ele rangeu os dentes. Os lábios de Nezumi se curvaram levemente em um sorriso.

Isso é uma ameaça. Eu posso facilmente recusar a oferta de Nezumi agora. Mas depois disso, se eu fosse ter o mesmo destino que minha mãe teve – meus ossos quebrados, minhas entranhas esmagadas, sangue jorrando da minha boca, e se eu tivesse que morrer assim... Se não houvesse nada para aliviar a minha dor, anestesiar ainda que um pouquinho – se eu não tivesse escolha a não ser lamentar e implorar para alguém me matar, rápido, por favor, até que a morte viesse para me reivindicar – Só de pensar teve um arrepio em sua espinha. Ele se rompeu em suor.

"Sente-se", Inukashi proferiu fracamente. "Eu vou ouvir o que você tem a dizer primeiro."

A mão enluvada de Nezumi se estendeu em direção a ele e acariciou sua bochecha.

"Bom menino".

"Foda-se".

Inukashi olhou para o rosto que ainda sorria palidamente para ele. "Deixe-me dizer uma coisa, Nezumi. Não acho que esse jogo vá funcionar o tempo todo."

"Jogo? Eu só quero que você faça um trabalho para mim. Uma forma rude de tratar um cliente, você não acha, Inukashi?"

"É esta a sua ideia de um cliente decente? Aproveitando a fraqueza de alguém, ameaçando-o, em seguida, forçando um trabalho perigoso para ele? Acho que até as pulgas são um pouco mais agradáveis para os cães que elas infestam, comparado a você."

"Você não disse," Nezumi disse, "que a culpa reside na pessoa que tem uma fraqueza que pode ser aproveitada antes de tudo? Nestas partes, expor a sua fraqueza pode lhe custar a vida. Não é novidade para você, eu espero."

Nezumi mais uma vez acariciou a bochecha de Inukashi quando ele ficou em silêncio, e murmurou com simpatia.

"Você tem medo da morte. Mais do que qualquer coisa, você está com medo do sofrimento que leva até ela. Você faria qualquer coisa para ser poupado do mesmo. Sei disso, e eu sou capaz de aliviar a sua dor, não sou? Eu não quero fazer chantagem e me aproveitar de você. Estou tomando as medidas adequadas, pagando-lhe dinheiro em troca de um trabalho."

"Isso é o suficiente!" Inukashi bateu na mesa com o punho. Dois filhotes que estavam brincando embaixo da mesa desfecharam de sob ela e fugiram.

"Seu fraudulento, seu sofista, seu ator de terceira categoria! Espero que você engasgue com veneno de rato e morra." Sem fôlego, Inukashi respirou irregularmente.

"Terminou?" Nezumi disse momentaneamente. Seu tom de voz calmo e sereno ainda pulsava a ira de Inukashi. Mas não adiantava ficar irritado. Nezumi estava certo. Ele estava em falta por expor a sua fraqueza e se deixando vulnerável. Estas eram as regras deste lugar.

Inukashi suspirou, e ajustou a si mesmo em seu assento.

"Vamos ouvir o que você tem a dizer. Eu não tenho muito tempo. Seja curto e doce."

Nezumi abaixou-se em um assento também. Ele não estava mais sorrindo.

"Eu quero informação."

"Eu já sabia", Inukashi disse simplesmente. "Já que você não seria tolo o suficiente para vir a mim à procura de mantimentos. Então? Informações sobre o quê?"

"A Instituição Correcional".

Inukashi quase caiu.

"Instituição Correcional!", exclamou. "Você quer dizer a que o Departamento de Segurança preside?"

"Existe alguma outra Instituição Correcional que ninguém conhece?" Nezumi disse sarcasticamente.

Inukashi ignorou.

"Então você quer informações... que tipo de informações?"

"Qualquer tipo, não importa quão insignificante." Nezumi pescou um pequeno rato branco do bolso. Era do tamanho de um polegar de adulto. Os olhos de Inukashi se estreitaram.

"Isso é um robô? É menor do que o que você me deu da última vez."

Tirando as luvas, Nezumi gentilmente pressionou a cabeça do rato. Suas costas se abriram, e um brilho de luz amarela piscou momentaneamente antes de uma imagem flutuar de dentro dele.

"O que é isso?"

"Um holograma. O mecanismo incorporado neste rato usa luz para reproduzir objetos."

"Eu sei o que é um holograma", Inukashi disse irritado. "É a primeira vez que eu realmente vejo um, embora," ele disse como um adendo. "Mas eu estou perguntando sobre o que é exibido aí. O que é isso? Um projeto?"

"É uma planta da estrutura interna da Instituição Correcional, mas é muito desatualizada. A estrutura em si não pode ter mudado, mas o seu sistema administrativo provavelmente foi melhorado."

Inukashi fez uma careta para ele de uma forma que dizia, 'você deve estar brincando'.

"Não posso fazer. Eu não me importo com o tipo de informação que você queira, eu não vou ser capaz de conseguir isso para você."

"Por quê?"

"Por quê? Não me faça perguntas estúpidas. Você sabe que tipo de lugar é? É claro que não", ele disse sem rodeios, "Eu não sei. Ninguém sabe, porque não tem uma única pessoa que saiu viva desse lugar – nem mesmo cadáveres saem de lá. Assim que passam pelos portões especiais, eles desaparecem. Eles desaparecem da face da terra. Esse é o tipo de lugar que é, certo? Isso é o que os rumores dizem. "

Inukashi engoliu em seco, e estremeceu. Nezumi ecoou suas palavras de volta para ele sem expressão.

"Rumores?"

"Rumores dizem..." Inukashi começou hesitante, "que há um incinerador enorme no porão, e todos os presos são jogados lá. Eles se queimam como lixo. E as cinzas que saem de lá são espalhadas sobre os campos agrícolas do Bloco Sul, em vez de ir à eliminação de resíduos. Dizem que é bom para o solo... Aqui, neste lugar."

Inukashi apontou para o chão mais inferior, provavelmente no porão, no diagrama que flutuava acima da tabela, e estremeceu novamente. Era um espaço em branco, e não havia nada escrito nele. Este espaço vazio curiosamente lhe deu uma sensação estranha.

"Não há um incinerador lá", Nezumi murmurou.

"O que te faz ter tanta certeza?" Inukashi disse em tom acusador. "Você já viu? Como você pode dizer isso sem nem mesmo..."

Inukashi grampeou suas palavras ao meio e encontrou-se olhando para Nezumi.

"Você sabe?"

Não houve resposta.

"Você sabe o que tem dentro da Instituição Correcional? Quando..." a mão de Inukashi atravessou a luz, e apertou em um punho. A imagem se agitou e se deformou.

"Quando você gravou isso?" ele exigiu. "São dados internos."

"Inukashi, eu não estou te pagando ouro para responder suas perguntas, eu quero o que você pode gerenciar – encontrar qualquer informação mais recente sobre o interior da Instituição Correcional, e adicionar a esses dados. Especificamente, se eu tivesse que ser exigente, eu gostaria de informações precisas sobre as operações e sistemas de segurança."

"Você é estúpido ou algo assim? Sistema de Operações? Apenas pessoas em classes mais altas têm acesso a isso, é secreto. Grande sorte se eu puder botar as mãos nisso."

"É por isso que eu não estou sendo exigente. Reúna tudo o que você puder controlar. Qualquer informação que tenha a ver com a Instituição Correcional, e eu quero o mais rápido possível. Vou deixar você com isso."

Nezumi desligou o interruptor, e jogou o rato projetor para Inukashi. Inukashi torceu o nariz para ele como se fosse um cadáver em decomposição.

"E se eu usar o mini-rato que eu ganhei de você pela última vez?", perguntou ele.

"Não, isso não vai funcionar. A Instituição correcional é cheia de sensores de segurança. Qualquer robô, não importa quão pequeno, vai ser explodido se for pego correndo ao redor sem o devido reconhecimento."

"Então use ratos reais", Inukashi continuou. "Eles vão ser capazes de entrar muito mais fácil do que os cães. Um organismo vivo pequeno não é um problema para o sensor, é?"

"Não é tão rápido. Esqueça os ratos, mesmo moscas ou baratas seriam exterminadas automaticamente. Lasers os queimariam de modo que não restasse nada deles. Eles não deixam uma única mosca invadir aquele lugar. E é assim que é."

"Então o que eu devo fazer?" Inukashi disse em frustração. "Como é que eu vou me esgueirar e recolher informações de um lugar que é todo gerenciado por computadores?"

"Você não tem que se esgueirar. Você está certo – praticamente todo o interior da Instituição é gerido para o tee. Mas ainda há muitas áreas que envolvem pessoas, também. E informações normalmente vazam através das bocas das pessoas... Se há algo que os computadores não podem controlar, é a língua de um homem."

Inukashi encolheu os ombros exageradamente. Ele estava começando a entender, ainda que vagamente, onde Nezumi estava tentando chegar. Ele não queria ver mais claramente se ele poderia ajudá-lo.

"Claro", ele concordou prontamente. "Você precisa de pessoas para operar os computadores e os robôs humanoides. Os guardas teriam de ser humanos, e os oficiais do Bureau estariam entrando e saindo de lá. E não podemos esquecer os prisioneiros, eles são humanos também, certo? Mas, além deles, as únicas pessoas que podem entrar e sair da Instituição Correcional são pessoas de dentro da Nº 6. Você precisa de um cartão de identificação para atravessar os portões especiais. É impossível criar um cartão de identificação falso da Nº 6. O que significa que ninguém do Bloco Ocidental pode chegar perto do lugar, a menos que eles sejam presos. Não que alguém fosse querer chegar perto de lá, de qualquer maneira. Então..."Ele estava falando bastante rápido. "Bem... Se chegarmos à conclusão, é praticamente impossível nós interagirmos com pessoas dentro da Instituição Correcional, porque eles são moradores da Nº 6, e que torna um caso impossível, certo? Você deveria saber melhor do que ninguém. Esses caras vivem em um mundo completamente diferente do nosso. É apenas diferente."

"Inukashi".

"O que?"

"Você está tagarela hoje."

Inukashi baixou o olhar. Ele sabia que baixando os olhos sinalizaria derrota, mas ele não tinha energia para olhar de volta para o par de olhos cinzentos que olhava para ele. Ele já sabia quem iria ganhar e quem iria perder.

Nezumi se levantou e se aproximou de Inukashi, que estava olhando para o chão. Ele sussurrou com voz rouca e baixa, mas sensual - uma voz de mulher.

"É assim que você sempre é. Quando tem algo a esconder, você de repente se torna mais eloquente. E então eu percebo a verdade que está em seu coração – isso que está de baixo dessa língua, batendo como uma folha no vento, um segredo furtivo é enrolado."

Seus dedos acariciaram o queixo de Inukashi, deslizaram a sua mandíbula, e levemente beliscaram o lóbulo da sua orelha. Inukashi estremeceu. O breve momento de êxtase foi seguido rapidamente por uma pequena e afiada dor. O lóbulo de sua orelha foi arrancado.

"Ai!" disse indignado. "O que diabos foi isso?"

"Não me subestime, Inukashi."

"O que você está falando? Eu não estava."

"Pare de bancar o desentendido. Eu sei para o que você está usando os seus cães. É por isso que eu vim aqui."

Inukashi estalou a língua, e empurrou violentamente a mão Nezumi para longe. Nezumi riu divertidamente.

"Você usa seus cães para contrabandear, não é? Você tem transportado restos de comida e lixo da Instituição Correcional para o Bloco Ocidental. Durante anos agora."

"Eu estou", respondeu Inukashi desafiadoramente. "Então o que? Transporte de mercadorias também é parte do meu negócio. Um rato como você não pode me dizer o que fazer."

"A Instituição Correcional tem funções inteiramente de disposição de resíduos", Nezumi continuou. "Eles podem dispor tudo dentro daquele prédio. Você disse que nem mesmo os cadáveres podem sair de lá. Está certo. Eles dispõem cadáveres dentro daquele lugar. O que significa que nem mesmo um grão de poeira deve escapar de lá, muito menos restos de comida. Dessa mesma Instituição Correcional, você de alguma forma consegue obter cargas periódicas de restos de comida, e vender para as barracas de comida no Bloco Ocidental. Consegue um bom dinheiro, não é? Talvez até mais que o negócio do seu hotel?"

"Não é de seu agrado que eu esteja operando no mercado negro?" Inukashi disse sarcasticamente. "Você deve estar brincando comigo. Desde quando você se tornou um lacaio da Secretaria, hein, Nezumi?"

"As máquinas não negociam com comerciantes do mercado negro. Uma vez programadas com um conjunto de regras, elas nunca vão quebrá-las. Se alguém vai quebrar as regras, são os seres humanos. Há alguém no interior da Instituição Correcional que está te vendendo restos de comida, não é? Não, não apenas de comida. Provavelmente estão te passando rações de prisioneiros e outros pertences a seu alcance também. Enfim, o fato é que você tem um contato dentro da Instituição Correcional. Fareje as informações dele."

Inukashi balançou a cabeça. O jovem a sua frente estava tentando envolvê-lo em mais perigo do que ele esperava. Inukashi eclodiu em um suor frio.

"É impossível", ele murmurou. "Os caras que eu lido são os mais baixos dos baixos. Eles praticamente fazem a limpeza e eliminam resíduos ao lado dos robôs. É impossível que eles tenham qualquer tipo de informação útil."

"É exatamente por isso que você quer perguntar a eles. Os caras na camada superior são rigorosamente supervisionados pelas autoridades. Eles não podem se arriscar de deixar deslizar algum segredo. Mas a gestão é frouxa com as pessoas em posições inferiores. E se o trabalho deles é limpar o lugar, provavelmente eles estiveram em todos os lugares dentro da Instituição. Quem sabe eles têm mais informações do que você pensa. Seu trabalho é farejar isso. Seu nariz é tão bom como o de um cão, não é?"

Inukashi deu um suspiro, e em vão tentou um último ato de retaliação.

"Eu preciso de dinheiro. Para obter qualquer informação deles, eu precisaria de dinheiro. Duas moedas de ouro não vão dar."

Nezumi assentiu, e passou uma pequena bolsa de couro para Inukashi. Nela, havia um número considerável de moedas de ouro.

"Eu só tenho isso agora." Nezumi de repente agachou-se e olhou nos olhos do Inukashi.

"Inukashi, trabalhe comigo. Estou implorando".

Implorando? Nezumi, você está implorando para mim?

"Se você pegar o trabalho, eu prometo que sempre vou correr para seu lado se você estiver com uma dor insuportável um dia. Não importa onde você estiver, eu vou entregar uma música para a sua alma. Prometo."

"Quem é que vai confiar em uma promessa entre um cão e um rato?"

Ninguém podia garantir isso. Mas ainda assim – Nezumi iria manter sua promessa. Quase instintivamente, o sentimento atingiu a alma de Inukashi.

Não importa onde ou como eu morrerei, se estivesse acompanhado com sofrimento, ele sempre apareceria e colocaria a minha alma para descansar. Ele podia ser difícil para caramba de entender, mas ele nunca iria quebrar uma promessa.

Inukashi acreditava firmemente em seus próprios instintos. Ele estendeu a mão e a fechou em torno da bolsa de couro.

"Vou pegar o trabalho."

"Fico te devendo uma". Nezumi expirou brevemente, e enrolou a capa de super fibra ao redor de seus ombros. Então, ele colocou um dedo sobre os lábios.

"Eu não precisaria te dizer, mas nada disso..."

"Eu sei. Eu não vou deixar ninguém ficar sabendo do trabalho. É a regra fundamental do meu negócio. Vou reunir as informações o mais rápido que eu puder, e te contatar antes que alguém possa descobrir."

"Eu estou contando com você."

"Nezumi, eu quero te perguntar uma coisa."

"O que?"

"Para que você está fazendo isso?"

Silêncio. Era impossível ler uma única expressão do rosto de Nezumi. Inukashi lambeu seu lábio inferior, e continuou.

"Com esse dinheiro, você poderia viver uma vida fácil por um bom tempo. Eu sabia que você era um astro e fazia um pouco de dinheiro, mas mesmo assim, isso é muito. Gastando tanto dinheiro, e me ameaçando..."

"Eu não estou te ameaçando. Só vim para você com um emprego."

"Hmph... Que seja. Então, indo tão longe a ponto de me solicitar um trabalho... O que faz você querer tanto meter o nariz na Instituição Correcional? Qual é a sua razão?"

Nezumi não respondeu. Ele só fez um leve meio sorriso. Era um artificial, feito para o palco.

"Você não precisa saber para fazer o trabalho, não é, Inukashi?"

"Bem, obviamente", Inukashi disse irritado. "Mas me meter neste tipo de trabalho arriscado sem mesmo saber o porquê é meio duro, cara."

"Descobrir o porquê não vai mudar o quanto que é arriscado."

Tsk. Esse cara e seu gosto por argumentos que dão voltas – Não sou páreo para ele quando se trata de argumentos verbais.

"Tudo bem", disse ele finalmente. "Isso é o suficiente de você. Saia já daqui." Inukashi bateu a mão para enxotar Nezumi. Ele sentiu o cheiro de sabão. A imagem de um rosto cruzou sua mente. Era o rosto de alguém que estava lavando os cães, coberto de espuma. A questão indiferente saiu de sua boca.

"Nezumi, isso não tem nada a ver com Shion, não é?"

Por um breve momento, os olhos cinzentos vacilaram. Os olhos de Inukashi não perderam a sua hesitação. A ponta de seu nariz se contraiu. Ele podia sentir o cheiro de algo.

"Shion?" Nezumi levantou os ombros ligeiramente. "Onde é que Shion entra nisso? Isso não tem nada a ver com ele."

"Agora, você me disse para não divulgar informações sobre este trabalho a ninguém. Você quer dizer que eu também não posso dizer a Shion?"

"É claro. Não há necessidade de envolver as pessoas que não têm nada a ver com isso."

"Querido, querido, não é você que está sendo gentil aqui?" Inukashi zombou. "Quem sabe quantos empregos perigosos que você colocou em minhas mãos, mas quando se trata de Shion, oh não, eu não posso envolvê-lo. Ah, sei. Acho que até você se aquece para as pessoas se tiver vivido com elas por muito tempo. É esse garoto esquisito de cabeça branca que é precioso para você?"

Nezumi desapareceu diante de seus olhos. Antes mesmo que ele pudesse proferir um grito, o corpo Inukashi estava sendo empurrado contra a parede, e um conjunto de dedos estavam cavando em sua garganta.

"Você já bancou o espertinho o suficiente", Nezumi assobiou. "Qualquer coisa a mais, e eu vou ter certeza de que você nunca mais irá falar."

"Vamos ver você tentar", Inukashi disse corajosamente. "Esses garotos não vão deixar."

Vários cães que estavam esparramados no chão ficaram de pé, rosnando ameaçadoramente enquanto eles cercavam Nezumi. Quando um deles mostrou os dentes, uma pequena sombra cinza saiu correndo de um canto da sala.

Um grito estrangulado.

O cão de grande porte que tinha mostrado os dentes elevou sua voz em dor. Um pequeno rato estava aferrado em seu pescoço. O cão se contorceu, sacudiu violentamente a cabeça de um lado para o outro, mas logo caíram suas patas dianteiras. Seus quatro membros convulsionaram. Os outros cães recuaram com medo. Inukashi empurrou Nezumi de lado e gritou, da mesma forma estrangulada que seu cão fez.

"Meu cachorro, meu cachorro!" Ele levantou o corpo do cão em seus braços. Uma voz fria incidiu sobre sua cabeça.

"Se você não quiser acabar como ele, acalme seus outros cães."

"Nezumi, seu desgraçado..."

Cheep-cheep.

O grito suave de um rato. Inukashi levantou o rosto, e sua respiração ficou presa na garganta. Ele olhou em volta da sala, estava preso ao chão. Do alto dos armários, debaixo da mesa, na sombra da porta, de vários lugares na sala, inúmeros ratinhos cinzentos olhavam silenciosamente para ele. Todos os seus olhos eram vermelhos, e brilhavam profundamente.

"Para baixo", Inukashi ordenou com a voz rouca. Os cães fizeram como lhes foi dito. Eles voltaram para os seus lugares, e abaixaram seus estômagos.

"Ele não está morto", disse Nezumi. "Ele só está um pouco paralisado. Dê vinte, trinta minutos e ele vai ficar bem. Ele está respirando corretamente, certo?"

Foi como Nezumi havia dito. A respiração do cão era agitada, mas consistente. Ele estava lutando para se levantar, mas parecia que não tinha forças. Ele deu um gemido lamentável.

"Você vai pagar por fazer isso com o meu cão." No momento em que Inukashi cerrou o punho, a porta se abriu com um estrondo. Shion se irrompeu para dentro.

"Inukashi!" Shion estava congelado, ainda segurando a maçaneta. Seu olhar deslizou de Inukashi, que estava abraçando seu cão, para Nezumi.

"Nezumi, o que você está fazendo aqui?"

"O que você está fazendo aqui? Você não deve abandonar seu local de trabalho assim."

"Bem, eu ouvi um cachorro uivando, e eu pensei que tinha ouvido a voz de Inukashi também... Eu pensei que algo tinha acontecido... Inukashi, o que há de errado com o cão?"

"Ele só está paralisado", Nezumi respondeu por ele. A cabeça de um rato marrom apareceu no ombro do Nezumi. Ele pulou no chão, e correu o corpo de Shion.

"Hamlet, você também veio?" Shion disse a ele.

"Hamlet? O que você está falando?"

"É o seu nome. Porque ele gosta que leiam Hamlet para ele."

O rosto de Nezumi se contorceu.

"Não vá nomear meus ratos sem permissão."

"Bem, você não iria nomeá-los", disse Shion, imperturbável. "...Ele parece gostar muito. Certo, Hamlet?"

O rato assentiu sua cabeça para cima e para baixo.

"Ridículo", Nezumi cuspiu. "Então, se esse cara é o Hamlet, quem é o outro? Otelo? Macbeth?"

"Cravat."

"Cravat? Havia um nome assim em Shakespeare?"

"É o nome de um pastel frito. A cor de sua pele se parece com um. Significa 'gravata', por causa da forma. A massa tem amêndoas pulverizadas, e você torce em forma de um laço para fritar..."

"Entendi, isso é o suficiente", Nezumi interrompeu. "Vai sonhar em encher a barriga com essas gravatas ou com o que quiser quando você for dormir esta noite. Estou indo para casa. Falar com você me dá dor de cabeça."

"Você tem certeza que não tem algo a ver com os nervos? Você está sempre irritado. Talvez você esteja cansado."

"De quem é a culpa por eu estar irritado o tempo todo? Além disso, você..."

Sentindo o olhar perplexo de Inukashi sobre ele, Nezumi fechou a boca. Ele recolocou seu pano de super fibra, e saiu da sala sem dizer uma palavra. Hamlet cutucou Shion no rosto e chiou uma vez antes de seguir seu mestre.

Os ratos cinzentos que estavam por toda a sala tinham desaparecido misteriosamente. Inukashi deixou um longo suspiro escapar de seus lábios, e caiu no chão. O cão deu um rosnado baixo em seus braços. Shion se abaixou em um joelho e começou a inspecionar o cão completamente.

"Ele parece como se tivesse sido paralisado com algum tipo de droga... mas o seu coração está batendo normalmente, e ele não está vomitando. Ele deve estar bem."

"Sério? Ele não vai morrer?"

"Ele vai ficar bem. Ele apenas está um pouco paralisado. Devemos lhe dar água limpa para beber. Vou pegar um pouco." Shion encheu o balde que ele estava usando para levar a água do rio, e o trouxe para o cão. O cão engoliu a água ansiosamente.

"Veja, parece que a dormência quase se foi. Mas este cão... Como ele se paralisou?"

"Nezumi fez isso."

"Nezumi? Com o cão? Sem chance."

"Com chance", Inukashi disse com raiva. "Ele fez isso. Aquele desgraçado paralisou o meu cão. Ele não hesitaria em fazer algo assim. Ele é impiedoso, astuto e cruel. Gostaria de ver se eu fosse você. Se você deixar o rosto dele te enganar pensando que ele vai ser gentil e carinhoso como sua mãe, você terá uma surpresa desagradável."

"Eu não acho que ele é a minha mãe, mas eu acho que ele é amável."

Inukashi fez círculos com o dedo indicador na frente do rosto Shion.

"Idiota. É por isso que eu estou falando quando digo que ele te enganou. Você é muito ingênuo para perceber como ele é insensível."

"Nezumi não é insensível. Ele salvou minha vida mais de uma vez. Se não fosse por ele, eu não teria sido capaz de sobreviver."

"Nezumi, ajudando um estranho? Sem nada em troca?"

"Sem nada em troca. Pelo contrário," Shion disse reflexivamente, "Eu acho que ele trouxe um incômodo para si. Pode parecer estranho vindo de mim, mas eu acho que estou sendo um pouco um fardo para ele. Depois de tudo, eu ainda não sei nada sobre como viver aqui."

Inukashi franziu os lábios. Ele deixou o olhar pairar sobre o perfil de Shion enquanto lavava a ferida do cão com água.

Um incômodo? Ele estava muito certo. Nestas partes, alguém que era tão ingênuo e crédulo como ele, e gentil com todos, não era outra coisa senão um incômodo. E ele se tornou um incômodo, muitas vezes as algemas que atava as mãos e os pés.

Mas Nezumi estava vivendo com este estranho incômodo, à procura de nada em troca. Ele não estava afugentando Shion de seu ninho – ao contrário, ele o estava protegendo lá.

Por quê?

"Ei, Shion."

"Hm?"

"Você dois sempre conversam assim um com o outro?"

"Huh? Bem... Sim, eu acho. Por quê?"

"Porque Nezumi geralmente não é assim. Ele não deixa suas emoções se mostrarem."

Shion inclinou a cabeça para o lado com curiosidade, como se dissesse: 'Sério?'. O cão lambeu as costas de sua mão. Era a sua maneira de expressar gratidão por tratar da ferida.

Inukashi mexeu o nariz e sorriu. Ele estava em um perfume.

Shion e o trabalho envolvendo a Instituição Correcional estavam ligados de alguma forma. Por esta criança, Nezumi voluntariamente pisava em território perigoso.

Inukashi não tinha provas. Ele não tinha certeza de qualquer razão clara para porque Nezumi estava fazendo isso. Mas ele tinha pegado a fraqueza de Nezumi agora, e isso era certo. Meu nariz não mente.

Nezumi, então este esquisitão é a sua fraqueza, seu calcanhar de Aquiles, hein? Heh, então as coisas devem ser interessante. Você disse isso. Deixar ninguém descobrir a sua fraqueza, pois poderia custar a sua vida. Você está absolutamente certo. E eu tenho a sua salvação em minhas mãos agora. Vou me certificar de que você se recompense pelo que você fez para mim. Você pode contar com isso.

"Eu posso estar errado, mas..." a voz de Shion chegou aos seus ouvidos. Ele estava acariciando o cão, que tinha se levantado e estava abanando o rabo energicamente, aparentemente totalmente recuperado da paralisia.

"Hein? Você disse alguma coisa?"

"Este cão... ele é parente seu, por acaso?"

"Ah..." Inukashi fez uma pausa. "Sim, ele é. Ele foi o último que minha mãe deu à luz. Teve ele, e foi espancada até a morte pouco tempo depois." Houve um lapso antes de ele dizer: "Como você sabe?"

"Eu só tive um pressentimento", Shion disse. "Ele tem olhos muito inteligentes e compassivos. Lembrou-me o que você disse sobre sua mãe, assim eu me perguntava se eu estava certo."

A mão de Shion acariciou o pescoço do cachorro. Os olhos do cão caíram semi-fechados, e um suspiro escapou de sua boca. Dessa sua expressão pacífica, era difícil imaginar que esse mesmo cão tinha mostrado os dentes para Nezumi antes.

"Shion, você não riu."

"Hein? Sobre o quê?"

"Sobre minha mãe. Normalmente, quando falo com as pessoas sobre a minha mãe sendo um cão, riem, ou zombam de mim, ou me tratam como uma aberração... mas você – você disse que a minha mãe era gentil e amorosa. Você foi o único que me escutou sem rir ou tirar sarro da minha mãe, além de..."

Inukashi grampeou suas palavras, e engoliu em seco. Ele acabara de perceber esse fato. Ao mesmo tempo, ele foi dominado com uma onda de agitação que ameaçava sufocá-lo.

Shion, ainda de joelhos, olhou para ele com uma expressão preocupada. Inukashi lambeu os lábios secos, e lentamente formou o resto de suas palavras como se traçando o fio de sua memória.

"Você foi o único – além de Nezumi"

Leia o capítulo 2.

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Notas

1. Shakespeare, William. Macbeth . Cambridge: Cambridge UP, 1921-1951.(1,7. 81-82) [Voltar]

2. Esta passagem inteira é um jogo de palavras com o duplo significado de amai o que pode significar tanto "doce" e "indulgente / ingênuo". O tradutor do livro para inglês substituiu toda a analogia com nuvens / espaço, porque uma tradução literal não faria sentido. Inukashi também usa a analogia para aludir à forma como os argumentos de Shion "derretem" facilmente (ou seja, eles são infundados, portanto corroem facilmente). No entanto, para referência, aqui estão as traduções literais:

"Se você fala sério sobre as coisas doces que você está dizendo, você nunca irá sobreviver aqui." 
"Nezumi diz a mesma coisa, que eu sou muito doce."
"Muito doce não descreve o suficiente. O que você está falando está soando mais como um castelo de açúcar. Eu particularmente nunca vi ou comi um castelo açúcar, mas deve ser realmente doce, e deve derreter quando se derrama água sobre ele, certo?" 
"Eu nunca joguei água em um, mas eu acho que você está certo, é muito doce." [Voltar]

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