quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

[Novel] No. 6 - Epílogos

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T = tankobon = edição de capa dura
B = bunko = edição de bolso

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Notas do tradutor do livro em Japonês para Inglês - 04/06/2013

Como eu só tenho até o Volume 5 de bolso (que inclui os epílogos de capa dura também), só serei capaz de postar esses. Eu sei que ela não fez epílogos em edições de capa dura dos Volume 6-9. Se as edições de bolso de estes têm epílogos que você gostaria que fosse traduzido, se alguém puder me enviar scans eu ficarei mais do que feliz.

Notas da tradutora do livro em Inglês para Português - 04/06/2013

Então eu reforço o apelo acima. Se alguém tiver esses epílogos, podem mandar para ele diretamente em seu blog [9th avenue], ou podem deixar um recado para mim nos comentários.

***

Volume 1 (bunko)

Epílogos sempre me fazem ficar terrivelmente tímida. É embaraçoso. Toda vez que eu escrevo um, em algum lugar no meu coração, eu recuo de vergonha. Eu ouço a minha própria voz me dizendo, como você pode fazer uma coisa tão constrangedora sem hesitar?

Isso provavelmente vem do fato de eu ter usado todos os meus últimos epílogos como desculpas. E inconscientemente, também, o que o torna ainda pior. Eu sempre lutei para preencher as insuficiências escancaradas do meu trabalho, de alguma forma, com os epílogos. Tenho a sensação de que é o que eu tenho tentado fazer.

Depois que eu percebi o que eu estava fazendo, eu prometi não escrever mais epílogos. Eu pensei que tudo o que um escritor dissesse ou escrevesse fora de seu trabalho não teria sentido.

No momento da produção deste, Nº 6 tornou-se um bunko (livro de bolso). Tendo sido pobre por muito tempo, como leitora, eu posso dizer que tenho uma relação próxima com o bunko. Este livro pequeno e acessível foi uma dádiva de Deus para a minha carteira e seus recursos escassos.

Obrigada, bunko.

Então, tendo dito isso, eu posso francamente dizer que estou feliz que essa história se tornou um bunko, para que outras pessoas com recursos escassos, mas com um amor pelos livros possam ter acesso a ele. Se é digno o suficiente para ler, bem, vamos deixar esse julgamento para outro dia. Eu não tenho escolha a não ser deixá-lo em suas mãos, leitor. Não tenho a intenção de dizer coisas como: "Eu investi a minha vida nisso"―esse tipo de palavras nem sequer qualificam-se como uma desculpa. Eu ainda quero acreditar que eu não tenha me desmoralizado a esse nível.

A história não condiz com a realidade. É verdade mesmo. As coisas que são retratadas nesta história de tragédia, a crueldade, a tirania daqueles com poder, a ganância humana, a intenção assassina... tome qualquer um deles, e verá que o que você encontra no mundo em que vivemos ultrapassa de longe qualquer coisa contada em minha história.

Como os seres humanos podem ser tão cruéis? Tão desumanos? Eles me deixam sem palavras, em choque. Mas, apesar de ficar sem palavras, eu me pergunto, será que eu ainda serei capaz de encontrar uma esperança para a vida através da história de No. 6? As chances de isso acontecer parecem incertas, e mais escassas que o conteúdo de minha carteira. Mas eu não tenho outra maneira de fazer isso senão escrever, e sinto como se eu pudesse perder para a crueldade e a arrogância da realidade e eu não posso simplesmente colocar o rabo entre as pernas e admitir a derrota, por isso eu escrevo. Eu quero enfrentar a realidade, abordá-la em desafio, com No. 6 como a minha força. Quero romper esse esconderijo que chamam de Realidade ou de Existência Humana, arrancar o que está abaixo, e construir sobre ele não desespero, mas uma história de esperança.

Essa também é a minha ambição.

Ah, eu estou dando desculpas de novo? Ou estou apenas tentando me animar com isso? Ou estou brandindo palavras valorosas para enganar a mim mesma e aos outros em acreditar nelas? Hmm. Isso é realmente terrível, na verdade. Mas ainda assim....

Você é irritante.

Eu senti como se eu tivesse acabado de ouvir o sussurro de Nezumi.

Que mulher irritante. Se você tem tempo para se conceder em queixas, coloque-se numa luta pela primeira vez.

Eu ouço uma voz me dizendo para lutar, mais robustamente, mais intensamente do que qualquer coisa... se for eu mesma, ou os outros, ou os tempos. Eu faço uma careta, e me dou uma sacudida.

Ele está certo. Por hora, antes de escrever um epílogo, vou escrever a minha história, uma história sem queixas, desculpas ou trapaças.

Então aqui está, um epílogo que não é muito um epílogo. Eu realmente sinto muito. Se eu pudesse, eu gostaria de fazer este o meu último epílogo.

Portanto termina aqui. Eu gostaria de estender meus sinceros agradecimentos àqueles do Escritório de Livros Infantis da Kodansha (Kodansha's Children's Books Office): o falecido Sr. Yamakage Yoshikatsu, Sr. Yamamuro Hideyuki, e a Sra. Junko Jinbo do Departamento de Publicidade da Bunko.

Obrigada, muito obrigada.

2006, fim do verão
Asano Atsuko

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[Novel] No. 6 Volume 4 Capítulo 1 (parte A)

No.6 #4

Passe o cursor sobre as palavras sublinhadas para ver informação.

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* * *

Vamos voltar vivos. Não se esqueça disso...

* * *

 

Subam as Cortinas

Uivai! Uivai! Uivai! Sois empedrados!
Se vossas línguas e olhos eu tivesse, usara-os de tal modo,

Que faria rachar a abóbada celeste.
[Ela] Foi-se para sempre.
- Rei Lear
Ato V Cena III [1]

Além do portão havia um mundo de trevas.

Estava gelando. O homem estremeceu e virou a gola do casaco para cima. Seu casaco era tecido da melhor caxemira, e era leve e quente. Era também equipado com um sensor automático que registrava a temperatura do corpo e do ar do lado de fora para ajustar a temperatura no interior do revestimento em conformidade. O sensor em si era menor, mais leve e mais fino do que um selo postal.

Ele podia sentir o frio cortante do ar em seu rosto parcialmente exposto, mas o resto de seu corpo estava envolto confortavelmente no aconchego de seu casaco. Então, quando o homem estremeceu, não era por causa do frio.

Era a escuridão. Estava muito escuro.

Nº 6, onde o homem vivia, era uma cidade de luz. Brilhava e se espalhava, independentemente se era dia ou noite. A luz não era a única coisa que ele tinha o acesso livre: graças aos saltos em biotecnologia, um suprimento constante de alimento estava sempre disponível, independente de condições climáticas ou meteorológicas, e tinha acesso a qualquer tipo de alimentos. O mesmo acontecia com o fornecimento de energia. Enquanto estivessem dentro da cidade, as pessoas eram capazes de ter uma vida abundante, segura e higiênica. Além deles, havia outras cinco cidades-estados no mundo, mas nenhum outro lugar tinha um ambiente tão perfeito como o deles. Esta era a razão por trás do segundo nome de N° 6, Cidade Santa.

O homem portava uma posição importante no corpo diretivo da Cidade Santa. Dentro da Secretaria de Administração Central, ele portava o que era equivalente ao terceiro lugar mais poderoso. Ele era uma elite das elites. Seu filho, que estava fazendo três anos este ano, também obteve a maior pontuação em inteligência nos últimos Exames de Criança. O homem já estava recebendo instruções sobre a educação do filho através de um currículo especial. Se nenhum problema surgisse ― problemas não deveriam surgir, naturalmente, porque de modo algum algo imprevisível aconteceria dentro da Cidade Santa ― então seu filho, bem como uma elite também, seria capaz de ter uma vida que não faltaria nada. Estava prometido a ele.

O homem não conseguia parar de tremer. Como era escuro! Como era pressagioso! Ele não tinha ideia de que a noite poderia trazer tal escuridão insondável. Ele não tinha ideia, até que ele entrou neste Bloco Ocidental.

O que diabos ele está fazendo?

O homem que deveria estar lá para buscá-lo, não estava. Ele geralmente esperava por ele à frente da escuridão, mas esta noite, não havia sinal dele.

Aconteceu alguma coisa?

Talvez algo surgiu.

Se for isso... então, não é muito bom.

O homem exalou na escuridão.

É melhor não perder mais tempo aqui. Eu devo passar de volta nos portões, e retornar para a Cidade Santa. Eu devo.

Sua razão lhe ordenou para voltar, para mover o calcanhar, e voltar para o conforto e para a luz. Mas o homem não podia se mover.

Apenas um pouco mais. Vou esperar por mais cinco minutos.

Tornou-se um estorvo prolongado. Era a sua atração pelas poucas horas de prazer e de decadência que ele estava prestes a gozar. Este estorvo, pelas poucas horas que ele passou brincando com as mulheres no Bloco Ocidental, pesava seus pés e o impedia de se mover. Como era atrativo passar as horas em um estupor bêbado, na companhia de mulheres com cabelos e olhos de todas as cores. Havia passado quase um ano desde que ele fora irresistivelmente atraído por esta tentação pela primeira vez. Não havia jeito de sair dela.

A administração da cidade estava ficando mais rigorosa. Cidadãos em geral tinham restrições, naturalmente; mas mesmo os mais altos escalões, que tiveram uma liberdade considerável, estavam recebendo limitações. A viagem entre a cidade e o Bloco Ocidental era uma das coisas em que foram postos limites.

Todas as viagens entre outros blocos foram proibidas a não ser com uma razão clara e um pedido.

Quando o homem viu essa parte da comunicação da cidade, lembrou-se e deu um pequeno suspiro. A Secretaria da Administração Central era um departamento que singularmente controlava todas as informações da cidade. Todos os arquivos pessoais dos cidadãos eram naturalmente reunidos aqui também. Nome de cada cidadão, sexo, data de nascimento, estrutura familiar, índice de inteligência, características e medidas físicas, histórico de doença, curriculum vitae, tudo estava ali. As ações diárias de cada indivíduo eram registradas sem falhas e internalizadas como dados pela Secretaria da Administração Central, através das inúmeras câmeras de vigilância e sensores colocados em toda a cidade, bem como os chips coletores de dados embutidos em seus cartões de identificação. Este sistema já estava bem estabelecido.

Gestão meticulosa e centralização de dados ― para o melhor ou para o pior, este homem estava perto do coração do sistema. Ele usava sua posição para a sua vantagem ao substituir seus registros pessoais numerosas vezes. Ele havia reescrito o arquivo dele para dizer que nunca tinha entrado no Bloco Ocidental. Ele destruiu seus registros.

Era um crime, ele estava bem ciente. Ele estava nervoso pelo que iria acontecer a ele se isso fosse exposto, e, ao mesmo tempo, ele estava confiante de que ele nunca seria descoberto. Ele havia se afogado num êxtase eufórico. Ele queria proteger a sua vida segura e, ao mesmo tempo, se encolhia em sua destruição. E por baixo estava a garantia confiante de que ele era um membro insubstituível do núcleo da elite, e que ele não seria perseguido tão facilmente. Muitas emoções se batiam dentro do homem.

Mas no fim, ele cedeu a seus desejos e atravessou os portões novamente esta noite.

Ele está atrasado, um pouco tarde demais...

O homem mordeu o lábio levemente.

Eu provavelmente deveria desistir esta noite.

Nada era mais perigoso do que ficar parado assim por um tempo prolongado, envolto na escuridão do Bloco Ocidental. Quando o homem se virou para voltar pelo caminho em que tinha vindo, uma voz baixa chamou seu nome.

"Fura-sama." Esse era o nome do homem. A voz baixa se transmitiu para ele na escuridão. "Eu peço desculpas por te deixar esperando."

Fura franziu a testa, e encolheu os ombros ligeiramente.

"É você, Rikiga?"

"Sim. Eu vim buscar você."

"Você está atrasado".

"Eu sinto muito. Houve um ligeiro imprevisto."

"Imprevisto? O que aconteceu?"

Ele podia sentir a escuridão mudar um pouco quando Rikiga balançou a cabeça.

"Nada que possa preocupar você. Não há nenhum problema para você no menor sentido, Fura-sama... na verdade... ah... Posso dizer que eu estava atrasado para fins de seu maior prazer"

"O que quer dizer?"

Ele podia ouvir uma risada vulgar.

"Levei um tempinho para preparar uma mulher do seu gosto." O riso vulgar continuou, e a escuridão serpenteou levemente. "Mas com certeza, deve compensar o tempo que eu te deixei esperando. Estou mais do que certo que você vai ficar satisfeito."

"Ela é tão boa assim?"

"Espécime requintado."

Ele engoliu em seco. Se ele pudesse, teria dado sua própria risada vulgar como Rikiga, mas se conteve.

Sua posição era como o céu em relação à Rikiga que era como a terra humilde, um morador do Bloco Ocidental. Ele não conseguiria descer a esse nível.

Para Fura, embora o Bloco Ocidental fosse o lugar que lhe proporcionava prazeres lascivos e deliciosos, aqueles que viviam lá ― Rikiga, ou as mulheres ― não eram seres humanos iguais a ele. Via-os como insetos, talvez. Não, isso era muito duro ― eles eram bem próximos do gado. Seres humanos e gado, o dominador e o dominado. Regiões vizinhas da N° 6 existiam para servir a cidade ― era o que haviam ensinado a ele desde a infância.

"―Vamos, então?" Rikiga começou a andar. Silenciosamente, ele seguiu atrás.

O ultrapassado automóvel à gasolina era desconfortável para andar, e batia e arrancava frequentemente. A estrada estava cheia de buracos. De vez em quando, o carro balançava perigosamente. Quando Fura começara a frequentar o bloco ocidental, ele tinha mais do que uma vez erguido a voz para se queixar, mas agora, ele não pensava em nada disso. Como estava acostumado com as estradas pavimentadas da N° 6 e carros híbridos totalmente equipados com a absorção de choque, os solavancos repentinos e os balanços eram novos e refrescantes. E mais do que qualquer coisa, isso fazia cócegas em seu coração com a antecipação do que estava por vir.

"Então?"

Fura inclinou-se no banco de trás e questionou ele.

"Que tipo de garota é ela?"

"Eu ouso dizer que ela é uma combinação perfeita para o seu gosto. Tenho certeza de que você vai gostar dela."

"A última garota não era grande coisa."

"Eu sei, mas essa garota, ela é exatamente de como você gosta, Fura-sama. Corpo pequeno, magra... E muito jovem"

"Jovem, hein."

"Sim. Claro, sendo este o lugar que é, não temos certeza de sua idade real, mas ela é muito jovem, com certeza. Então ela... Ainda não teve experiência com homens ainda"

"Você tem certeza?"

"Absolutamente. E não só isso, parece que ela tem o sangue das terras do sul em suas veias. Ela tem esse tipo de aparência."

"Ah."

"Temos muitas mulheres com corpos maduros, mas é um pouco difícil de encontrar as mais jovens. Eu nunca poderia te dar um moleque magro e sujo para atender você, Fura-sama, nem seria capaz de simplesmente catar um da rua. E, além disso... dar este tipo de trabalho para uma garota tão jovem e sem experiência, é muito... bem, certamente não faz nada bem para minha consciência, para dizer o mínimo".

Mentiroso. Fura retrucou em sua cabeça. Pelo dinheiro, você faria qualquer coisa. Consciência, você diz? Não me faça rir.

Embora ele estivesse, sem dúvida, surdo às palavras do Fura, Rikiga deixou escapar uma risada seca dos lábios.

O carro parou. A escuridão penetrante ainda os cercava lá fora.

"Isto é...?" Era diferente do lugar de costume que Rikiga preparava.

"É um hotel."

"Hotel?"

"Há muito tempo atrás, ele costumava ser muito chique." Rikiga saiu do carro e acendeu uma lâmpada. "A menina e a sua família fizeram deste lugar sua casa. A menina disse que ela só teria clientes se fosse em seu quarto, e ela não faria isso de outra maneira... Ela ainda é uma criança, provavelmente está com medo de ir para lugares estranhos."

"Mas..."

"Não há nada para se preocupar. Retiramos a família temporariamente. Hoje à noite, você e a menina serão os únicos aqui, Fura-sama... Ah, não, estou enganado. Ela também tem seus cães."

"O que?"

"Cães. O pai da menina dirige uma empresa que lida com cães. Há enxames deles aqui."

Fura não podia imaginar que tipo de negócio lidaria com cães. Um pet shop estava certamente fora de questão. Os cães eram despelados e vendidos como carne?

"Apenas me siga, então. Aconselho que você vigie seus pés." Rikiga balançou a lâmpada. Fura olhou o seu perfil e, cuidadosamente, colocou o pé à frente.

Ele não confiava neste homem, Rikiga. Ele não tinha um fio de confiança nele. Mas Fura sabia que ele era um cliente regular e altamente valorizado por Rikiga. Não havia maneira de que um homem como ele, que amava, apreciava e colocava o dinheiro acima de tudo, prejudicasse a sua melhor fonte de renda. Nesse sentido, Fura nunca havia sentido qualquer apreensão com o homem que agora estava andando alguns passos à frente.

Este edifício que Rikiga falara que já tinha sido um hotel elegante, estava agora meio-desintegrado e, em sua maior parte, em ruínas. Inúmeros escombros se espalhavam pelo chão, e havia poças por toda parte. O chão estava escorregadio, mas talvez porque o piso estava apodrecendo, ou porque havia musgo crescendo sobre ele, ele não sabia. Ele estava instável em seus pés vestidos com sapatos de couro. O vento beliscava seu rosto. Subiram as escadas. Ele sentiu um ligeiro odor estranho. Era um odor que ele nunca havia sentido dentro da N° 6 e ele não tinha ideia do que poderia ser. Eles cruzaram uma área nua e espaçosa que parecia que ter sido um lobby, e subiu ainda mais.

"Oh..."

Ele falou sem pensar. Seus pés ficaram enraizados no local. Era o que parecia um corredor estreito que se estendia a sua frente. Pelo menos, parecia que corria direto para a escuridão, mas não tinha ideia do que estava além da escuridão que o cobria; a visão de Fura, sem experiências com a escuridão, não podia decifrar.

Iluminado pela luz fraca do abajur, ele podia ver figuras sombrias curvadas aqui e ali.

"Cães?"

"Sim".

"Por que há tantos? Para quê...?"

"Ah, bem, há muitas razões, mas não é nada a ver com os oficiais de alto cargo da N° 6 como você", disse Rikiga. "Não é nada para se preocupar. Estes cães são silenciosos, eles não vão morder ou atacar... Certo, aqui estamos. A garota está dentro desta sala".

Assim como Rikiga tinha dito, os cães permaneceram enrolados no chão, imóveis, sem rosnar ou expor seus dentes.

"Bem aqui, por aqui. Depois de você," Rikiga o conduziu para entrar.

Havia uma porta de madeira gasta a sua frente. Talvez fosse a luz da lâmpada que fazia isso ― a porta velha parecia quente e suave para os olhos. Era como uma senhora afetada pela idade. Lá estava ela, sentada em uma piscina de luz solar, bonita, com o cabelo de neve. Ela tinha agulhas de tricô em suas mãos e um novelo de lã em seu colo...

Fura virou de lado e pigarreou algumas vezes. Ele havia escondido por muito tempo este seu mau hábito de cair em devaneios. Se qualquer um dos oficiais superiores no Departamento de Administração Central descobrisse que ele tinha essa tendência, isso significaria consequências terríveis para ele.

Na Nº 6, imaginar, tecer histórias, falar de sonhos e devaneios era desaprovado e evitado como uma praga. Não havia regras oficiais ou leis que proibissem, mas entre os cidadãos comuns, era objeto de zombaria e desprezo; nas organizações centrais, era visto como inadequado e uma razão válida para o fim de um emprego. Você seria removido.

A porta se abriu. Sua maçaneta de prata foi operada manualmente, é claro, e a porta gritou teimosamente quando abriu para dentro.

Era uma sala de teto baixo, e estava escura. A iluminação vinha apenas da lâmpada de Rikiga e uma única vela em um suporte sobre a mesa. Não estava muito frio, provavelmente devido ao facto de não haver janelas. Mas o uivo abafado do vento ainda ecoava na sala. Vários assobios e gemidos sobrepostos em camadas, como uma sinfonia, se enroscavam um com o outro, e chegavam aos seus ouvidos. Ele se perguntava como esse lugar tinha sido construído.

As únicas peças de mobília do quarto eram a mesa que segurava a vela, uma divisória um tanto pobre, e uma cama igualmente lamentável em um canto da sala. Uma figura estava sentada na borda da mesma com um cobertor sobre a cabeça, enrolou-se como se a encolher em si mesmo.

Rikiga estava certo, ela era pequena. As pernas que se projetavam do cobertor eram lamentavelmente finas. Mas elas eram bem torneadas. Elas eram delgadas do joelho para baixo, e se tivessem um pouco mais de carne provavelmente seriam um belo conjunto de pernas, de fato.

"O que achou?" Rikiga sussurrou em seu ouvido. "Uma joia, você não concorda, Fura-sama?"

"Talvez. Eu não posso dizer ainda".

Fura abaixou-se sobre a cama e deslizou uma mão ao redor do pequeno corpo embrulhado no cobertor. Ele podia sentir ligeiramente o seu tremor.

"Você está com medo? Não se preocupe, não há necessidade de estar." Ele tirou o seu casaco, e a puxou para mais perto, com cobertor e tudo. Ele podia sentir o tremor cada vez mais violento em suas mãos. O cobertor caiu de sua cabeça, e seus cabelos, negros como a noite, e o pescoço delicado exposto aos olhos do Fura. Como ela estava com o rosto virado em desafio, o pescoço se mostrou ainda mais. Fura poderia dizer até mesmo na escuridão que a pele era lisa e flexível. E era bronzeada.

Eu vejo. Essa pode ser uma joia afinal.

Ele removeu os seus longos cabelos de lado e deixou seus os lábios viajarem até seu pescoço. Sentiu um leve cheiro. Era o mesmo perfume que havia encontrado nas escadas. Era o cheiro de um cachorro, um animal. Mas, em vez de diminuir o desejo de Fura, o cheiro o estimulou ainda mais. Era um cheiro que ele não conseguiria ter na Nº 6, mesmo que quisesse, por causa de sua higiene perfeita. Este corpo estava completamente encharcado neste perfume, e o excitou.

"Bem, então", Rikiga disse, "Eu acho que eu vou me desculpar. Aproveite." Rikiga se virou para a saída com um sorriso ausente em seu rosto. Fura parou sua mão, que estava indo acariciar a perna fina da menina. Pela primeira vez, uma suspeita esvoaçava em seu peito.

"Espere", ele comandou brevemente o homem que estava de costas para ele. Rikiga virou letargicamente.

"Algum problema?"

"Você não acha estranho?"

"Estranho? O que, posso perguntar?"

"Por que você não pediu o pagamento primeiro?"

O rosto de Rikiga ficou tenso. Então, depois de um tempo, ele murmurou ah, sim, o pagamento, a si mesmo.

"Você sempre me pede para pagar antecipadamente. Por que você não pediu hoje à noite?"

"Ah, sim, claro. Eu tinha esquecido."

"Esqueceu-se? Você? O dinheiro?"

A suspeita cresceu dentro dele. Este homem? Esqueceu o dinheiro? Ele, que era mais ganancioso e avarento do que ninguém, esqueceu ― ele achou difícil de acreditar.

Sua dúvida e a suspeita se transformaram em inquietação. As coisas estavam diferentes do habitual. Por quê? Por...

O pequeno corpo saltou dos braços do Fura. O cobertor escorregou para o chão.

"Corta essa merda, seu bastardo", ele rosnou. "Eu já tive o suficiente. Você deve estar brincando comigo." Fura ficou boquiaberto com o rapaz que havia chicoteado seu cabelo e estava arreganhando os dentes, atirando-o com palavrões.

"Rikiga, quem é esse?"

"Ele é quem ele é, senhor."

"Você me disse que me prepararia uma menina."

"Meninas, meninos, não faz muita diferença. Pensei que talvez você tivesse esse tipo de preferência escondido em algum lugar aí dentro, Fura-sama, e você só não tinha percebido."

O jovem de cabelos negros arreganhou os dentes ainda mais. Ele era quase como um cão selvagem.

"Você pode parar de fazer merda, velho alcoólatra," ele rosnou. "Por que você não seguiu o plano? Vou fazer picadinhos de vocês três e jogarei aos cachorros. Vocês vão pagar por isso, bastardos".

Plano? Vocês três? O que ele estava falando?

Fura pegou seu casaco e se levantou. Ele colocou seus braços pelas mangas e olhou ao redor da sala. Os quatro cantos estavam escuros, e a escuridão era assustadora.

De qualquer maneira, era perigoso ficar ali.

"Aonde vai?" Rikiga ficou na frente da porta, impedindo-o com um sorriso amarelo.

"Eu estou indo para casa. Sai da frente!"

"Por favor, por favor, se acalme", disse Rikiga suavemente. "Não precisa ser tão rude, Fura-sama."

"Fora daqui, ou então..." Fura apertou sua mão ao redor da pequena arma no bolso. Era uma arma elétrica, não muito eficaz para matar, mas o suficiente para se defender. Ele a sacou e apontou entre os olhos do Rikiga. Se ele revidasse mais um pouco, ele iria atirar sem mover um cílio. Poderia até ser para defesa pessoal, mas uma arma ainda era uma arma. Qualquer ser humano desarmado se recebesse um tiro entre os olhos iria morrer. Mas ele não se importou. Essas pessoas nem sequer se qualificam como seres humanos de qualquer maneira.

"Mas a diversão está apenas começando, você sairia perdendo se for para casa."

A voz veio de trás dele. Ao mesmo tempo, sua boca estava coberta, e seu pulso foi agarrado com força. A arma escorregou por entre os dedos. Ele só havia sido detido na boca e na mão segurada para trás, mas todo o seu corpo estava preso. Ele não podia se mover. Um sopro frio acariciou o lóbulo de sua orelha. Um sussurro fluiu em seu ouvido.

"Por que você não fica mais um pouco com a gente? Nós vamos te proporcionar um bom momento, você irá para as nuvens." Era uma voz suave e não era assustadora afinal. Era doce, clara e bonita. Fura não poderia dizer se era a voz de um homem ou de uma mulher. Talvez, se ele obedecesse esta voz convidativa, ele poderia se derreter em êxtase. O pensamento durou um mero piscar de olhos.

Seus pés foram varridos de debaixo dele e ele bateu no chão. Sua respiração ficou presa na garganta e então perdeu a consciência.

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Notas

  1. Referência utilizada:

Shakespeare, William. Rei Lear. Web. [link] [Voltar]

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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

[Novel] No. 6 Volume 1 Capítulo 1

no.6 #1 

Os capítulos antigos estão sendo (re)traduzidos a partir dos textos do blog 9th Avenue.

Passe o cursor sobre as palavras e textos sublinhados para ver informação.

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Rato Encharcado

Nezumi estava em um túnel. Ele respirava em silêncio envolto na escuridão. O ar emanava o leve cheiro de terra molhada. Continuou, devagar e com cautela. O túnel era estreito, mas era grande o suficiente para um rato atravessar. E estava escuro, não havia luz para que pudesse ver, porém se sentia à vontade. Ele gostava de lugares escuros e estreitos. Em lugares assim, coisas grandes e viventes não poderiam capturá-lo. Era um momento fugaz de paz e tranquilidade. A ferida em seu ombro estava doendo, mas ele realmente não se incomodava. O verdadeiro problema não era a dor, mas a quantidade de sangue que estava perdendo. A ferida não era especialmente ruim, era apenas um pequeno buraco em seu ombro. Deveria ter começado a coagular um tempo atrás. Mas... a ferida... ainda estava viscosa e quente. Ela ainda estava sangrando.

―― Anticoagulante. Eles devem ter revestido a bala com isso.

Nezumi mordeu o lábio. Ele queria algo para parar o sangramento. Trombina ou sulfato de alumínio. Não, nem precisaria de tanto assim. Pelo menos, água limpa para lavar a ferida.

Suas pernas fraquejaram. Tonturas dominaram-no.

―― Isso é nada bom.

Fraqueza por falta de sangue, talvez. Se sim, isso seria ruim. Logo, ele não seria mais capaz de se mover.

―― Mas talvez eu não devesse me importar.

Ele ouviu uma voz dentro de si. 
Talvez não fosse tão ruim se encolher, incapaz de se mover, envolto em trevas úmidas. Ele deveria descansar para dormir, um longo sono – e ter uma morte tranquila. Não iria doer, não muito. Poderia sentir um pouco de frio.

Não, isso seria muito otimista. Sua pressão arterial iria despencar, ele iria ter dificuldades para respirar, seus membros iriam ser paralisados​... é claro que ele iria sofrer.

―― Eu quero dormir.

Ele estava cansado. Com frio. Com dor. Incapaz de se mover. Ele apenas tinha que sofrer por um tempo, disse a si mesmo. Fique quieto, ao invés de lutar inutilmente. Poderia haver pessoas perseguindo-o, mas nenhuma iria salvá-lo. Então, ele deveria apenas dar um fim à vida. Encolha-se aqui e vá dormir. Desista.

Seus pés continuaram seguindo em frente. Suas mãos correram ao longo das paredes. Nezumi deu um sorriso forçado. Sua voz lhe dizia para desistir, mas seu corpo ainda continuava obstinadamente. Como era problemático tudo isso.

―― Resta uma hora. Não, trinta minutos.

Trinta minutos era o limite de tempo para qualquer livre movimentação que ele tinha. Nesse tempo, ele tinha que parar sua hemorragia e garantir um lugar para descansar. Eram as exigências básicas para se manter vivo.

O ar se agitou. A escuridão diante dele estava gradualmente se tornando mais leve. Ele tomou cada passo meticulosamente. Saiu do lado escuro e estreito do túnel para uma área mais ampla cercada por paredes de concreto brancas. Nezumi sabia que esta era uma parte de um túnel de esgoto que esteve em uso até dez e alguns tantos anos atrás, no final do século XX. Ao contrário do solo acima, instalações subterrâneas da N° 6 não eram muito bem conservadas. Muitas delas haviam sido deixadas no mesmo estado em que estavam desde o século passado. Este túnel de esgoto era apenas mais um desses, abandonado e esquecido. Nezumi não poderia ter pedido por um ambiente melhor. Ele fechou os olhos e visualizou o mapa de N° 6 que ele havia extraído do computador.

Havia uma boa chance de que esta fosse a rota abandonada K0210. Se fosse, então ele deveria estar perto da área residencial de alto rendimento chamada Chronos. Claro, isso poderia muito bem também levar a um beco sem saída. Mas se ele tivesse decidido viver, seguir em frente era a sua única opção. Nezumi, em seu estado atual, não tinha opções nem tempo para deliberar.

O ar mudou. Não era a umidade seca de antes, e sim ar fresco carregando muita umidade. Lembrou-se de que estava chovendo forte lá em cima. Esta passagem estava definitivamente ligada ao mundo superior.

Nezumi inalou, e sentiu o cheiro de chuva.

***

07 de setembro de 2013 foi o meu décimo segundo aniversário. Neste dia, um sistema de baixa pressão tropical, ou tufão, que se desenvolvia há uma semana fora da zona sudoeste do Oceano Pacífico Norte, ganhou força caminhando para o norte, até que nos atingiu diretamente na cidade de N° 6.

Era o melhor presente que eu já tinha ganhado. Eu estava cheio de emoção. Ainda era quatro e pouco da tarde, mas já estava ficando escuro. As árvores no quintal curvavam nos ventos enquanto folhas e pequenos galhos eram arrancados. Eu adorava o barulho clamoroso que eles faziam. Era totalmente o oposto do ambiente habitual deste bairro, que dificilmente envolvia qualquer barulho.

Minha mãe preferia pequenas árvores a flores, e através de seu plantio entusiástico de amêndoa, camélia e carvalhos silvestres em todo lugar, nosso quintal tinha se tornado um pequeno bosque. Mas graças a isso, o ruído de hoje era diferente de qualquer outro. Cada árvore fazia um gemido diferente. Folhas e galhos despedaçados batiam contra a janela, se prendiam nela, e, em seguida, eram despachadas novamente. De novo e de novo, rajadas de vento irrompiam contra a janela.

Eu coçava para abri-la. Mesmo ventos fortes como estes não eram suficientes para quebrar o vidro resistente, e neste ambiente com controle atmosférico, a umidade e a temperatura mantinham-se estáveis e inalteradas. Era por isso que eu queria abrir a janela. Abrir, e trazer o ar, o vento, a chuva, uma mudança do habitual.

"Shion," chamou a voz da mãe no interfone. "Eu espero que você não esteja pensando em abrir a janela."

"Eu não estou."

"Bom... você ouviu falar? As terras baixas do Bloco Ocidental estão inundando. Terrível, não é?"

Ela não soava como se sentisse muito mal, embora.

Fora da N° 6, a terra era dividida em quatro blocos ― Leste, Oeste, Norte e Sul. Grande parte dos blocos Leste e Sul eram de terras agrícolas ou de pastagem. Eles forneciam 60% de todos os alimentos feitos de plantas e 50% dos produtos alimentícios de origem animal. Ao norte, havia uma extensão da floresta estacional decidual e montanhas sob a completa conservação do Comitê de Administração Central.

Sem a permissão do Comitê, ninguém poderia entrar na área. Não que alguém fosse querer passear em uma floresta selvagem, que estava completamente sem manutenção.

No centro da cidade havia um enorme parque florestal, que ocupava mais de um sexto da área total da cidade. Nele, podiam-se experimentar as mudanças sazonais e interagir com as centenas de espécies de pequenos animais e insetos que ali habitavam.

A grande maioria dos cidadãos estava contente com a vida selvagem dentro do parque. Eu não gostava muito. Eu particularmente não gostava do prédio da Prefeitura, que erguia no centro do parque. Tinha cinco andares subterrâneos e mais dez andares acima, e tinha a forma de uma cúpula. N° 6 não tinha arranha-céus, talvez por isso "se agigantar" fosse um pouco exagerado. No entanto, esse prédio exalava um sentimento sinistro. Algumas pessoas o chamavam de Moondrop por sua forma arredondada e branca, mas eu pensei que se assemelhava mais como uma bolha redonda sobre a pele. Uma bolha que irrompeu no centro da cidade. Como se para cercá-la, o hospital da cidade e a Secretaria de Segurança ficavam por perto, e se ligavam com caminhos que pareciam canos de gás. Em torno estava uma floresta verde. O parque florestal, um lugar de paz e tranquilidade para os bons cidadãos. Todas as plantas e animais que habitam este lugar eram monitorados minuciosamente, e todas as flores, frutas e pequenos animais de cada área em cada estação eram completamente gravados.

Os cidadãos poderiam descobrir a melhor hora e local para observar e admirar a área através do sistema de serviço da cidade. A natureza perfeita e obediente. Mas pelo menos este dia estaria colérico. Era um tufão, afinal.

Um ramo com folhas verdes ainda estava chocado com a janela. Uma rajada de vento resmungou, e seu rugido ressoou por algum tempo. Pelo menos, eu pensei que eu pudesse ouvi-la ressoar. O vidro à prova de som me restringia de qualquer ruído externo. Eu queria a janela fora do meu caminho. Eu queria ouvir, sentir o vento furioso. Quase sem pensar, eu abri a janela. O vento e a chuva vieram entrando soprando. O vento rugia como se viesse das profundezas da terra. Era um rugido que eu não tinha ouvido em um longo tempo. Eu também levantei minhas próprias mãos e soltei um grito. Ele iria se dispersar nos ventos tempestuosos, e chegaria aos ouvidos de ninguém. Ainda assim, eu gritei, sem nenhum significado. Gotas de chuva voaram em minha garganta. Eu sabia que estava sendo infantil, mas eu não podia parar. Começou a chover mais forte. Como seria empolgante tirar todas as minhas roupas e explodir na chuva. Eu tentei me imaginar nu, correndo na tempestade torrencial. Eu definitivamente seria declarado insano. Mas era uma tentação irresistível. Eu abri minha boca novamente, e engoli as gotículas. Eu queria reprimir esse estranho impulso. Eu tinha medo do que se escondia dentro de mim. Às vezes, eu me encontro oprimido por uma turbulenta e selvagem onda de emoções.

Quebre.

Destrua.

Destruir o que?

Tudo.

Tudo?

Um som mecânico de aviso resoou. Estava me notificando que as condições atmosféricas no quarto estavam se deteriorando. Eventualmente, a janela ia se fechar e se trancar automaticamente. A desumidificação e o controle de temperatura começariam, e todas as coisas molhadas na sala, incluindo eu, seriam secas instantaneamente. Limpei meu rosto pingando na cortina e caminhei até a porta para desligar o sistema de controle aéreo.

E se, naquele momento, eu tivesse obedecido ao som do aviso? Às vezes, eu ainda me pergunto sobre isso. Se eu tivesse fechado a janela, e escolhido ficar no conforto adequadamente seco do meu quarto, minha vida teria sido completamente diferente. Não me lamento, nem qualquer coisa assim. Era apenas um pensamento peculiar. A coisa que mudou meu mundo inteiro, tão meticulosamente controlado até agora, aconteceu daquela pequena coincidência ― que em 7 de setembro de 2013 em um dia tempestuoso, eu por acaso tinha aberto a janela. Era um pensamento muito peculiar.

E apesar de eu não ter um Deus em particular para acreditar, há momentos em que eu sinto certa convicção em direção ao termo "mão divina".

Virei a chave. O som de aviso parou. Um silêncio súbito reinou sobre o quarto.

Heh.

Ouvi uma leve risada atrás de mim. Instintivamente eu girei e dei um pequeno grito. Havia um menino lá, todo molhado. Levei um tempo para perceber que ele era um menino. Ele tinha cabelos na altura dos ombros que quase encobria o seu rosto pequeno. Seu pescoço e braços que se projetavam de sua camisa de mangas curtas eram finos. Eu não poderia dizer se era um menino ou uma menina, se ele era mais jovem ou mais velho do que parecia. Meus olhos e consciência se focaram em seu ombro esquerdo que estava manchado de vermelho, para pensar em qualquer outra coisa.

Era a cor do sangue. Eu nunca tinha visto alguém sangrando tão profusamente como quanto ele. Instintivamente eu estava estendendo a mão para ele. A figura do intruso desapareceu na ponta dos meus dedos. Ao mesmo tempo, eu senti um impacto, e bati contra a parede com força. Senti uma sensação de gelado no meu pescoço. Eram dedos, cinco deles, fechando em torno de minha garganta.

"Não se mova", disse ele.

Ele era menor do que eu. Sufocado por baixo, me esforcei para dar uma olhada em seus olhos. Eles eram um escuro, mas, ao mesmo tempo, claro, cinzentos. Eu nunca tinha visto uma cor assim antes. Seus dedos cerraram. Ele não parecia forte, mas eu estava completamente incapaz de me mover. Não era algo que uma pessoa normal poderia fazer.

"Eu vejo," consegui ofegar. "Você está acostumado a fazer isso."

O par de olhos cinzentos não piscava. Seu olhar continuava fixo, emanando calma como a superfície suave do oceano, e eu não podia ler nenhum tom de ameaça, medo ou de intenção assassina deles. Eram olhos muito tranquilos. Eu podia sentir meu próprio pânico cedendo.

"Vou tratar sua ferida", eu disse, lambendo meus lábios. "Você está machucado, não é? Eu vou tratá-lo."

Eu podia me ver refletido nos olhos do intruso. Por um momento, eu me senti como se eu tivesse sido sugado para eles. Desviei o meu olhar olhando para baixo, e eu repeti.

"Vou tratar o ferimento. Nós temos que parar o sangramento. Tratar. Você entende o que estou dizendo, não é?"

O aperto no meu pescoço afrouxou ligeiramente.

"Shion".

A voz de minha mãe transitou do interfone. "Sua janela está aberta, não é."

Eu respirei fundo. Eu me senti bem. Estava tudo bem, me tranquilizei. Eu poderia falar com uma voz normal.

"A janela? ... Ah, sim, está aberta."

"Você vai pegar um resfriado, se você não fechá-la."

"Eu sei."

Eu podia ouvir a minha mãe rindo do outro lado.

"Você está se fazendo doze anos hoje e você ainda está agindo como um menininho."

"Ok, eu entendi... Ah, mãe?"

"O quê?"

"Eu tenho um relatório para escrever. Você pode me deixar em paz um pouco?"

"Um relatório? Você não acabou de ser aceito no Curso Especial?"

"Huh? Ah... bem, eu tenho um monte de trabalhos para fazer."

"Eu vejo... não se sobrecarregue. Desça na hora do jantar."

Os dedos frios se afastaram da minha garganta. Meu corpo estava livre. Estiquei a mão para reiniciar o sistema de controle aéreo. Fiz questão de deixar o sistema de segurança desligado. Se não, ele detectaria o intruso como uma presença estrangeira, e iria detonar um alarme agudo. Se a pessoa fosse reconhecida como um residente legítimo de N° 6 não aconteceria isso, mas eu não podia imaginar que esse intruso encharcado teria uma cidadania.

A janela se fechou, e o ar quente começou a circular no quarto. O intruso de olhos cinzentos meio que entrou em colapso ajoelhando-se e se se encostou à cama. Ele soltou um suspiro longo e profundo. Estava consideravelmente fraco. Peguei o kit de emergência. Primeiro chequei o pulso, em seguida, rasguei sua camisa, e comecei a limpar a ferida.

"Isso..."

Eu não podia deixar de reparar. Eu não estava familiarizado com este tipo de lesão. Tinha um raso cume esculpido na carne de sua articulação do ombro.

"Ferida à bala?"

"Sim". Foi uma resposta casual. "Atingiu de raspão. Qual é o termo técnico que vocês usam para isso? Uma escoriação leve?"

"Eu não sou nenhum especialista. Ainda sou um estudante."

"Do Curso Especial?"

"Começando no próximo mês."

"Uau. QI alto, né?"

Havia um tom de sarcasmo na voz. Eu levantei meu olhar de sua ferida, e olhei em seus olhos.

"Você está tirando sarro de mim?"

"Tirando sarro? Quando eu estou sendo tratado por você? Nunca. Então, qual é a sua especialização?"

Eu lhe disse que era ecologia. Eu tinha acabado de ser aceito no Curso Especial. Ecologia. Tinha o mínimo de experiência em tratar um ferimento de bala. A minha primeira experiência. Foi um pouco emocionante. Vamos ver, o que eu tenho que fazer primeiro? Desinfetar, parar o sangramento... ah sim, eu tinha que parar o sangramento.

"O que você está fazendo?"

Ele olhou enquanto eu pegava uma seringa do kit de desinfecção, e engoliu em seco.

"Anestesia local. Tudo bem, aqui vai."

"Espere, espere um minuto. Você vai anestesiar, e depois?"

"Costurar."

Supostamente eu tinha dito isso com tal sorriso que parecia que eu não poderia estar me divertindo mais. Era algo que eu descobri muito mais tarde.

"Costurar! Pode existir algo mais primitivo do que isso?"

"Isso não é um hospital. Eu não tenho instalações de tecnologia de ponta e, além disso, eu acho que um ferimento de bala é muito primitivo por si mesmo."

A taxa de criminalidade na cidade era infinitamente próxima de zero. A cidade era segura, e não havia necessidade de um cidadão comum carregar uma arma. Se fizessem, seria apenas para a caça. Duas vezes por ano, as regras eram desconsideradas para a temporada de caça. Com armas de fogo remotas penduradas nos ombros, esportistas aventuravam-se nas montanhas do norte. Mãe não gostava deles. Ela dizia que não entendia como as pessoas podiam matar animais por prazer, e ela não era a única. Em censos periódicos, 70% dos cidadãos expressaram desconforto na caça como uma forma de esporte. Matar pobres animais inocentes – que violento, que cruel....

Mas a figura sangrando na minha frente não era uma raposa ou um veado. Era um ser humano.

"Eu não posso acreditar nisso", eu murmurei para mim mesmo.

"Acreditar no quê?"

"Que há pessoas que atiram em outras pessoas... a menos que... não me diga que alguém do clube de caça atirou em você por engano?"

Seus lábios se curvaram. Ele estava sorrindo.

"Clube de caça, hein. Bem, eu acho que você pode chamá-los assim. Mas eles não atiraram por engano."

"Eles sabiam que estavam atirando em um humano? Isso é contra a lei."

"É mesmo? Em vez de uma raposa, apenas acontece que eles caçam humanos. Uma caçada humana. Eu não acho que seja contra a lei."

"O que você quer dizer?"

"Que existem os caçadores e as caças."

"Eu não entendo o que você está falando."

"Imaginei que não. Você não precisa entender. Então você vai mesmo me dar uma agulhada? Você não tem anestésico em spray ou algo assim?"

"Eu sempre quis tentar usar uma agulha."

Eu desinfetei a ferida e apliquei o anestésico com três injeções ao redor da área da ferida. Minhas mãos tremiam um pouco de nervos, mas de alguma forma correu bem.

"Deve começar a ficar dormente em breve, e então..."

"Você vai costurar."

"Sim".

"Você tem alguma experiência?"

"Claro que não. Eu não estou indo para a medicina. Mas eu tenho conhecimento básico de sutura do vaso sanguíneo. Vi em um vídeo."

"Conhecimento básico, hein..."

Ele respirou fundo e olhou para mim diretamente no rosto. Ele tinha lábios finos, sem sangue, bochechas cavadas, e pele pálida e ressecada. Ele tinha o rosto de alguém que não tinha vivido uma vida decente. Ele realmente se parecia com uma presa animal que havia sido perseguido implacavelmente, exausto, sem nenhum lugar para correr. Mas seus olhos eram diferentes. Eles estavam sem emoção, mas eu podia sentir a energia feroz que eles emanavam. Era vitalidade? Eu me perguntava. Eu nunca tinha encontrado ninguém em minha vida com os olhos tão memoráveis quanto aqueles. E aqueles olhos estavam olhando sem piscar para mim.

"Você é estranho."

"Por que você diz isso?"

"Você nem sequer perguntou o meu nome."

"Ah, é. Mas eu não me apresentei também."

"Shion, certo? Como a flor?"

"Sim. Minha mãe gosta de árvores e flores silvestres. E você?"

"Nezumi".

"Huh?"

"Meu nome."

"Nezumi... não é isso."

"Não é o que?"

Essa cor dos olhos não era de um rato. Era algo mais elegante. Como... o céu um pouco antes do raiar do dia – não parece com isso? Corei, envergonhado em me pegar jorrando como um poeta coxo. Eu propositadamente levantei minha voz.

"Certo, aqui vai."

Lembre-se dos passos básicos da sutura, eu disse a mim mesmo. Estabeleça dois ou três pontos estáveis, e use-os como pontos de apoio para fazer uma sutura contínua... isso deve ser conduzido com o máximo de cuidado e precisão... no caso de uma sutura contínua...

Meus dedos tremiam. Nezumi observava meus dedos em silêncio. Eu estava nervoso, mas um pouco animado demais. Eu estava colocando o que costumava ser apenas o conhecimento de livros didáticos em ação. Foi emocionante.

Sutura completa. Apertei um pedaço de gaze limpa sobre a ferida. Uma gota de suor deslizou em minha testa.

"Então, você é inteligente."

A testa de Nezumi também estava úmida de suor.

"Eu apenas sou bom com as minhas mãos."

"Não apenas com as suas mãos. Que cérebro o seu. Você tem apenas doze anos, certo? E você está indo para o Curso de Dotados da mais alta instituição de ensino. Você está na super elite."

Desta vez, não havia nenhum tom de sarcasmo. Nem qualquer indício de temor. Eu silenciosamente tirei a gaze e os instrumentos sujos.

Dez anos atrás eu obtive a classificação mais alta no exame de inteligência para crianças de dois anos de idade. A cidade fornece a qualquer um que consegue a classificação mais alta em inteligência ou em habilidades atléticas a melhor educação que eles poderiam desejar. Até a idade de dez anos, eu frequentei aulas em um ambiente munido com os equipamentos mais recentes junto a outros colegas como eu. Sob os cuidados de uma lista de instrutores especializados, nos foi dada uma educação sólida e completa das matérias básicas, depois cada um de nós recebeu o seu próprio conjunto de instrutores para mover-nos ao campo de especialização que nos era adequado. Desde o dia em que eu fui reconhecido com a classificação mais alta, meu futuro foi prometido para mim. Isso era inabalável. Nenhuma força pequena poderia fazer isso desmoronar. Pelo menos, era assim que se supunha ser.

"Parece uma cama confortável," Nezumi murmurou, ainda inclinando-se nela.

"Você pode usá-la. Mas se troque antes."

Joguei uma camisa limpa, uma toalha e uma caixa de antibióticos no colo de Nezumi. E então, por um capricho, eu decidi fazer chocolate quente. Eu tinha utensílios de cozinha o suficiente no meu quarto para fazer uma bebida quente ou duas.

"Não está exatamente na moda, não é?" Nezumi fungou quando ele puxou a camisa xadrez.

"Melhor do que uma camisa suja rasgada e coberta de sangue, se você me perguntar."

Passei-lhe uma caneca fumegante de chocolate quente. Pela primeira vez esta noite, eu vi o que parecia ser um lampejo de emoção em seus olhos cinzentos. Prazer. Nezumi sorveu um gole e murmurou baixinho ― bom.

"É bom. Melhor do que a sua sutura."

"Não é justo comparar assim. Acho que ocorreu muito bem para a minha primeira tentativa."

"Você é sempre assim?"

"Hein?"

"Você sempre se deixa aberto? Ou é normal para todos vocês elites ter zero de senso de perigo?" Nezumi continuou, segurando a caneca com as duas mãos.

"Vocês podem ficar muito bem, sem sentir qualquer perigo ou medo de intrusos, né?"

"Eu me sinto em perigo. E com medo também. Tenho medo de coisas perigosas e eu não quero ter nada a ver com elas. Eu também não sou ingênuo o suficiente para acreditar que alguém que veio da minha janela do segundo andar é um cidadão respeitável."

"Então, por quê?"

Ele estava certo. Por quê? Por que eu estava tratando feridas deste intruso, e até mesmo lhe dando chocolate quente? Eu não era um monstro de sangue frio. Mas eu também não era repleto de compaixão e boa vontade o suficiente para estender a mão a qualquer um que estava ferido. Eu não era nenhum santo. Eu odiava lidar com dificuldades e desentendimentos. Mas eu tinha deixado este intruso entrar. Se as autoridades da cidade descobrissem, eu estaria em apuros. Eles poderiam me ver como alguém desprovido de bom senso. Se isso acontecesse...

Meus olhos se encontraram com um par de olhos cinzentos. Eu me senti como se eu pudesse ver uma pitada de riso neles. Como se eles pudessem ver através de mim, tudo o que eu estava pensando, e rindo de mim. Eu apertei o meu estômago e olhei de volta para ele.

"Se você fosse um homem grande, agressivo, eu teria acionado o alarme ali mesmo. Mas você era pequeno, e parecia uma menina, e estava prestes a cair. Então... Então eu decidi tratá-lo. E... "

"E?"

E seus olhos tinham uma cor estranha que eu nunca tinha visto antes. E eles me atraíram.

"E... Eu queria ver como costurar uma veia realmente era."

Nezumi deu de ombros e bebeu o resto de seu chocolate. Limpando a boca com as costas da mão, ele correu a palma da mão através dos lençóis.

"Eu realmente posso dormir?"

"Claro."

"Obrigado."

Essas foram as primeiras palavras de gratidão que eu tinha ouvido uma vez que ele havia entrado em meu quarto.

Mãe estava sentada no sofá na sala de estar, absorta na televisão de tela plana montada na parede. Ela me notou chegando e apontou para a tela. A apresentadora com o cabelo longo e reto estava transmitindo um aviso a todos os residentes de Chronos.

Um presidiário havia escapado da Instituição Correcional no Bloco Ocidental, e foi visto pela última vez fugindo para a área de Chronos. Considerando o tufão também, a área era para ser bloqueada naquela noite. Todos nessa área, excluindo casos especiais, estavam proibidos de saírem de suas casas.

O rosto de Nezumi apareceu na tela. Abaixo, as letras "VC103221" flutuaram em letras vermelhas.

"VC..."

Eu levantei uma colher com bolo de cereja para minha boca. Todos os anos, sem falta, mãe fazia um bolo de cereja no meu aniversário. Isso era porque o pai tinha trazido para casa um bolo de cereja no dia em que nasci.

Pelo que minha mãe disse, meu pai era um caso perdido que se entregava descontroladamente em gastar dinheiro e mulheres, mas, acima de tudo, em álcool ― ele estava apenas a um passo de ser um alcoólatra. Ele tinha vindo para casa um dia embriagado trazendo bolos de cereja ― três deles ― que eram tão bons que ela não podia deixar de lembrar o gosto cada vez que 07 de setembro chegava. Meus pais se divorciaram dois meses após o bolo de cereja. Então, infelizmente, eu não tenho nenhuma memória daquele caso sem esperança do meu pai que estava a um passo de ser um alcoólatra. Mas não era inconveniente. Depois de ter recebido a classificação mais alta no rank, mãe e eu recebemos o direito de viver em Chronos, juntamente com a segurança completa de nossas condições de vida, incluindo esta casa modesta, mas bem equipada. Não havia inconveniências.

"Acabei de me lembrar, o sistema de segurança do jardim ainda está desligado. Tem nada de mal em deixar assim, certo?"

Mãe se levantou lentamente. Ela tinha ganhado muito peso recentemente, e parecia que era um esforço para ela se mover.

"É uma dor no pescoço, essa coisa. Mesmo um gato pulando a cerca dispara o alarme, e as pessoas da Secretaria de Segurança vem toda hora para verificar. É um aborrecimento."

Quase como se em correlação com o seu ganho de peso, ela começou a chamar as coisas como "uma dor no pescoço" mais e mais vezes.

"Mas olhe para ele, ele ainda é muito jovem. Um VC... Eu me pergunto o que ele fez."

VC. O V Chip. Era uma abreviação para Violence-Chip, e era originalmente um termo usado nos Estados Unidos por um semicondutor que era usado para censurar conteúdos de televisão. Com este chip, você pode determinar para a televisão não exibir cenas violentas ou perturbadoras. Se eu me lembro corretamente, este termo foi usado pela primeira vez na revisão da Lei de Telecomunicações de 1996.

Mas na N° 6, o termo VC tem um significado mais pesado. Os acusados de homicídio, tentativa de homicídio, roubo, assalto e outros crimes violentos eram sujeitos a ter esse chip implantado dentro de seu corpo. Isso permitia que os computadores rastreassem cada localização, condição e até mesmo variações emocionais do condenado. VC era um termo que usávamos para os criminosos violentos.

―― Mas como é que ele conseguiu esse chip?

Se o VC ainda estava dentro de seu corpo, a sua localização podia ser imediatamente identificada com o sistema de monitoramento da cidade. Deveria ter sido facilmente possível prendê-lo sem que qualquer cidadão percebesse. Para fazer com que a notícia de sua fuga fosse publicada, e para impor um bloqueio só significaria que eles não tinham sido capazes de encontrar sua localização.

―― Pode ser que ferida de bala foi...? Não, não pode ser isso.

Eu nunca tinha visto um ferimento de bala em um ser humano antes, mas eu definitivamente poderia dizer que ele foi baleado a uma distância. Se ele tivesse atirado em seu chip juntamente com a carne de seu ombro, ele teria tido uma ferida mais grave, com queimaduras e tudo. Muito mais grave.

"Está bastante chato, não é? Uma pena, já que é o seu dia especial."

Mãe suspirou enquanto polvilhava flocos de salsa na panela de ensopado em cima da mesa. "Chato" era outra palavra que a mãe estava usando com mais frequência atualmente.

Mãe e eu éramos muito parecidos. Nós dois éramos um pouco mais sensíveis, e não gostávamos de socializar muito. As pessoas ao nosso redor eram ótimas, tão ótimas que não havia nada de ruim a dizer sobre elas. Meus colegas eram geniais, inteligentes e propensos às suas maneiras. Ninguém levantava a voz para insultar ninguém, ou tratava alguém com hostilidade. Não havia pessoas estranhas ou desonestas. Todo mundo mantinha tais estilos de vida ​​meticulosamente saudáveis que mesmo pessoas ligeiramente gordas, como a minha mãe eram raras. Neste mundo pacífico, estável e uniforme, onde todos se pareciam, minha mãe ficou mais gorda, e reclamando que as coisas eram "uma dor no pescoço" ou "chatas", e comecei a achar a presença de outras pessoas opressivas.

Quebre.

Destrua.

Destruir o que?

Tudo.

Tudo?

A colher escorregou da minha mão e caiu no chão.

"O que há de errado? Você está a milhas de distância."

Minha mãe olhou curiosamente para mim. Seu rosto redondo abriu um sorriso.

"Isso é raro em você, Shion, espaçando assim. Quer que eu desinfete a colher?"

"Ah, não. Não é nada", eu sorri de volta para ela. Meu coração estava disparado tão rápido que era difícil respirar. Eu engoli a água mineral de uma vez. Feridas de bala, sangue, VC, olhos cinzentos. O que eram todas estas coisas? Elas nunca tinham existido no meu mundo até agora. O que elas queriam se intrometendo em minha vida tão de repente?

Eu tive uma premonição fugaz. A sensação de que uma grande mudança estava por vir. Assim como um vírus que entra numa célula e a transforma ou a destrói por completo, eu tinha a sensação de que este impostor iria perturbar o mundo em que eu vivia, e o destruiria completamente.

"Shion? Sério, o que deu em você?"

Mãe olhou para o meu rosto de novo, sua expressão estava preocupada.

"Desculpe, mãe. Esse relatório está me incomodando. Vou comer no meu quarto", eu menti, e me levantei.

"Não acenda a luz."

Uma voz baixa me ordenou assim que entrei no quarto. Eu não gosto do escuro, então eu geralmente deixo as luzes acesas. Mas agora estava escuro como breu.

"Eu não posso ver nada."

"Você não precisa."

Mas se eu não podia ver, eu não podia me mover. Eu fiquei sem poder fazer nada, com o ensopado e o bolo de cereja em minhas mãos.

"Isso cheira bem."

"Eu trouxe ensopado e bolo de cereja."

Eu ouvi um assovio de apreciação no escuro.

"Quer um pouco?"

"Claro."

"Você vai comer no escuro?"

"Claro."

Eu cuidadosamente avancei meu pé. Eu podia ouvir uma risada silenciosa.

"Não pode nem mesmo encontrar o caminho em seu próprio quarto?"

"Eu não sou noturno, obrigado. Você pode ver no escuro?"

"Eu sou um rato. Claro que posso."

"VC 103221."

No escuro, eu podia sentir Nezumi se congelando.

"Você estava em todos os noticiários. Está famoso."

"Hah. Eu não pareço muito melhor pessoalmente? Hei, este bolo é bom."

Meus olhos foram se acostumando com a escuridão. Sentei-me na cama e olhei para Nezumi.

"Você consegue fugir bem?"

"Claro."

"O que você fez com o chip?"

"Ele ainda está dentro de mim."

"Quer que eu tire?"

"Cirurgia de novo? Não, obrigado."

"Mas..."

"Isso não importa. Agora aquela coisa é inútil de qualquer maneira."

"O que você quer dizer?"

"O VC é apenas um brinquedo. Desativar isso é moleza."

"Um brinquedo, hein."

"Sim, um brinquedo. E deixe-me te dizer algo, a própria cidade é como um brinquedo, também. Um brinquedo barato que é bonito apenas do lado de fora."

Nezumi havia limpado o ensopado e o bolo. Ele deu um suspiro de satisfação.

"Então, você está confiante de que você está vai escapar enquanto a cidade está no estado de alerta?"

"Claro."

"Mas há uma verificação rigorosa de segurança para os invasores que não estão registrados. Há todo um sistema ao longo desta área para pessoas assim."

"Você acha? O sistema desta cidade não é tão perfeito quanto você pensa que é. Está cheio de buracos."

"Como você pode dizer isso?"

"Porque eu não sou parte do sistema. Vocês todos foram programados bem para acreditar que essa falsa bagunça furada é a utopia perfeita. Ou, não, talvez seja isso o que vocês querem acreditar."

"Eu não sei."

"Huh?"

"Eu não acho que este lugar é perfeito."

As palavras saíram da minha boca. Nezumi ficou em silêncio. Á minha frente, havia apenas uma extensão de escuridão. Eu não podia sentir a sua presença. Ele estava certo, ele era como um rato. Um roedor noturno, escondido na escuridão.

"Você é estranho", disse ele em voz baixa, em voz ainda mais baixa do que antes.

"Sério?"

"Você é. Isso não é algo para um da super elite dizer. Você não estaria em apuros, se as autoridades descobrirem?"

"Sim. Tremendo apuros."

"Você acabou de pegar um VC fugitivo e não relatou à Secretaria... Se eles descobrirem, isso será um problema ainda maior. Eles não vão te soltar facilmente."

"Eu sei."

Nezumi de repente agarrou meu braço. Seus dedos finos escavaram em minha carne.

"Verdade? Quero dizer, não é problema meu o que acontece com você, mas se você acabar sendo dizimado por minha causa, eu não gosto disso. Eu me sentiria como se eu tivesse feito uma coisa horrível..."

"Isso é gentil de você."

"Mama sempre me disse: 'não cause problemas para outras pessoas", disse ele suavemente.

"Então você vai embora?"

"Não. Eu estou cansado, e há um tufão lá fora. E eu finalmente consegui uma cama. Vou dormir aqui."

"Decida."

"Papa sempre me disse para separar meus modos públicos de meus sentimentos particulares".

"Parece ser um grande pai."

Seus dedos se retiraram do meu braço.

"Eu acho que eu tive sorte por você ser estranho", disse Nezumi suavemente.

"Nezumi?"

"Hm?"

"Como é que você entrou Chronos?"

"Não te conto."

"Você quis sair da Instituição Correcional e entrar na cidade? Isso é possível?"

"É claro que é possível. Mas eu não entro na N° 6 por mim mesmo. Alguém me deixa entrar. Não é como se eu quisesse vir aqui, no entanto."

"Te deixa entrar?"

"É. Eu fui escoltado, pode-se dizer."

"Escoltado? Pela polícia? Para onde?"

A Instituição Correcional era localizada no Bloco Ocidental, uma zona de alta segurança. Qualquer um que quisesse entrar na N° 6 de lá tinha que pedir permissão da Secretaria. Aqueles que tinham autorizações de entrada especiais eram livres para entrar e sair, mas os novos candidatos eu ouvi que eles têm que esperar pelo menos um mês para o seu formulário ser aceito ― e, geralmente, apenas menos de dez por cento são admitidos. O número de dias permitidos dentro da cidade também eram severamente restringidos. Naturalmente, as pessoas começaram a se acumular no Bloco Ocidental. Mais pessoas esperando por suas licenças serem processadas ​​significou mais alojamentos e estabelecimentos para jantares indo às ruas para atendê-los. Ainda mais pessoas chegavam para trabalhar ou fazer negócios lá. Eu mesmo nunca fui para o Bloco Ocidental, mas ouvi dizer que é um lugar casual, mas animado. A taxa de criminalidade não é alta. A maioria dos VCs que enchem as celas na Instituição Correcional são moradores do Bloco Ocidental. Sentenças que variam de um ano para perpétua são dadas com base na idade, antecedentes criminais, bem como o grau de violência do crime. Não há pena de morte. O Bloco Ocidental servia como uma espécie de fortaleza que continha todas as pessoas e as coisas de natureza criminal, e as impedia de entrar na cidade. Assim, para um VC ser escoltado de lá para dentro das muralhas da cidade ― para onde eles estavam indo? E por qual razão?

Nezumi se arrastou para a cama.

"Provavelmente o Moondrop".

"A Câmara Municipal!" Exclamei. "O centro da cidade? por quê?"

"Não te conto. Você provavelmente não deveria saber, de qualquer maneira."

"Por que não?"

"Estou cansado. Me deixa dormir."

"É algo que você não pode me dizer?"

"Você pode garantir que você pode se esquecer de completamente tudo, uma vez que você já tenha ouvido isso? Fingir que não ouviu? Mentir que você não sabe de nada? Você pode ser inteligente, mas você não é um adulto. Você não pode mentir tão bem assim."

"Eu acho, mas..."

"Então não me pergunte em primeiro lugar. Em troca, eu também não vou contar a ninguém."

"Huh? Sobre o quê?"

"Sobre como você estava gritando pela janela."

Ele tinha me visto. Eu podia sentir meu rosto queimando de vergonha.

"Isso me pegou totalmente de surpresa. Eu entrei em seu quintal e queria saber o que fazer a seguir, e de repente a janela se abriu e você meteu a sua cara para fora."

"Ei, espere um minuto"

"Eu estava assistindo o que você faria em seguida, então, desta vez você começou a gritar. Fui pego de surpresa de novo. Eu não acho que eu já tinha visto alguém gritando com um cara como..."

"Cale a boca!"

Eu investi contra Nezumi, mas tudo que eu senti foi o travesseiro quando caí em cima dele. Em um flash, Nezumi estava em cima. Ele deslizou uma mão debaixo do meu braço, e com um giro rápido, eu fui facilmente virado sobre minhas costas. Nezumi subiu em cima de mim e prendeu meus dois braços para baixo com uma mão. Suas pernas montaram meus quadris e os apertaram com força. Por um instante, senti um formigamento de dormência percorrer as minhas pernas por todo o caminho até os dedos dos pés. Foi impressionante. No espaço de uma fração de segundo, eu tinha sido imobilizado e preso à minha própria cama. Com a mão livre, Nezumi girou a colher de sopa. Ele apertou o punho contra a minha garganta, e levemente a deslizou transversalmente. Abaixou-se para que seus lábios fosse ao meu ouvido.

"Se fosse uma faca," ele sussurrou, "você estaria morto."

Um músculo em minha garganta se contraiu. Incrível.

"Isso é incrível. Existe um truque para fazer isso?"

"Hein?"

"Como você pode imobilizar alguém com tanta facilidade? Há pontos nervosos especiais que você pressiona ou algo assim?"

A força que me fixava relaxou. Nezumi afundou em cima de mim, tremendo ― ele estava rindo.

"Eu não posso acreditar nisso. Você é hilário. Que natural", ele suspirou.

Eu circulei meus braços ao redor de Nezumi e enfiei as mãos nas costas de sua camisa. Estava quente. Sua pele quente estava úmida de suor.

"Eu sabia... você está pegando uma febre. Você deve tomar esses antibióticos."

"Eu estou bem... Eu só quero dormir."

"Se você não abaixar sua febre ela vai te enfraquecer ainda mais. Você está queimando."

"Você está muito quente também."

Nezumi deu um suspiro profundo, e murmurou distraidamente.

"Os vivos são quentes."

Ele ficou quieto, e não muito tempo depois, eu podia ouvir a respiração tranquila e medida que vinha dele. Com seu corpo febril ainda em meus braços, antes que eu percebesse, eu também estava caindo no sono.

Quando acordei na manhã seguinte, Nezumi tinha ido embora. A camisa xadrez, a toalha e o kit de emergência foram embora com ele.

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[Novel] No. 6 Volume 3 Capítulo 5

no.6 #3 

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(Parte A)

Em Companhia da Falsidade

Nos dias de velhice, o Buda
era apenas um mortal;
no fim, nós mesmos
seremos Budas também.
Quão penoso que as distinções
devem separar os
que são iguais partilhando
a natureza de Buda!
- Contos de Heike: Giou [1]

Shion lentamente se levantou do chão.

Apenas algumas brasas permaneciam no aquecedor e o quarto estava frio. Cravat, que estava enrolado contra o corpo de Shion, levantou a cabeça e chiou suavemente.

"Shh..." Shion levou seu cobertor em torno do ratinho. "Aqui, você dorme nessa parte. Só, por favor, não faça barulho, ok?"

Shion tinha ficado tão acostumado a esta sala que ele poderia achar seu caminho mesmo no escuro. Ele caminhou sorrateiramente até a porta. Destrancou e, antes de abrir, se virou novamente. Ele ouviu atentamente. Não havia barulho.

Parecia que a dor da ferida de Nezumi não o impedia de dormir. Acho que uma pequena ferida não seria suficiente para mantê-lo acordado. Havia tantas coisas que ele ainda precisava dizer a Nezumi. A alegria de conhecê-lo, a gratidão por tudo o que ele o tinha dado, e o profundo respeito que tinha por ele - Shion não tinha sido capaz de expressar nada disso adequadamente.

Fico feliz que te conheci.

Isso foi tudo o que eu consegui de dizer.

Shion inalou o ar da sala profundamente, apenas uma vez, antes de abrir a porta silenciosamente.

* * *

A lâmpada brilhou, sinalizando uma chamada de uma extensão direta da Câmara Municipal. O homem levantou o rosto dos documentos de pesquisa que estava folheando e levemente estalou a língua em irritação. O documento, que tinha sido impresso há décadas no papel, era muito intrigante, e ele queria ler um pouco mais. Mas a luz estava piscando em vermelho, sinalizando uma situação de emergência. O homem estalou a língua de novo, e colocou os documentos afastados em uma pasta.

Quando ele apertou o botão, o rosto familiar de um homem apareceu na tela. Ele era um homem que costumava ser chamado de Fennec (Nota: Fennec em português é Feneco).

Fennec ― a raposa do deserto. Quem foi o primeiro que começou a chamá-lo assim?

"Qual é o problema, Fennec?"

"Nós temos uma emergência. Duas amostras foram levadas para o Hospital Central."

"Algum problema com isso?"

"Ambas não estão registradas como amostras representativas nos dados."

"O quê?"

"Elas são diferentes das amostras que vocês solicitaram de nós. As coisas estão acontecendo por conta própria, fora do nosso controle."

"Talvez seja muito cedo para concluir que elas são amostras. Não poderia ser outra a causa?"

Fennec balançou a cabeça. A tela rapidamente mudou para outra imagem. Um clipe de áudio lia informações pessoais de dois corpos.

Nome, idade, endereço, profissão, histórico de doenças, medidas físicas, número de cidadania...

Um homem e uma mulher. Dois corpos. Ambos os rostos contorcidos em sofrimento, e eram de idade e enrugados. Se não fosse por suas expressões faciais, a causa da morte poderia facilmente ter passado como velhice. Mas a idade documentada de um deles estava na casa dos vinte, o outro em seus trinta e tantos anos.

"Você está certo, eles devem ter feito isso", o homem murmurou. A tela brilhou novamente, e as sobrancelhas franzidas de Fennec ficaram bem à mostra. O homem suspirou baixinho.

"... O que tudo isso quer dizer?"

"Eu acho que eu gostaria de saber isso!" Fennec levantou a sua voz, e as suas orelhas se contraíram indignadas. Ah, sim. Este era um hábito dele. Desde que ele era jovem, sempre teve o hábito de contrair as orelhas quando suas emoções ficavam agitadas. Era por isso que ele era chamado de Fennec. Uma raposa Fennec era uma pequena raposa com as orelhas mais longas do gênero, chegando a 15 centímetros.

"Mas como poderia algo inesperado assim acontecer?" Fennec continuou. "Eu não acredito nisso. O que está acontecendo?"

"Algo deve ter dado errado em algum lugar", respondeu o homem. "Mas é insignificante. Não é nada que você deva se preocupar."

A garganta de Fennec contraiu enquanto ele engolia as palavras do homem.

"Você tem certeza?"

"É claro."

"Você tem a responsabilidade maior neste projeto, você sabe."

"Não oficialmente", acrescentou o homem. "Bem, mas, novamente, nada sobre este projeto foi divulgado oficialmente."

"Mas se for bem sucedido, então o Projeto da Cidade de Nº 6, finalmente, será perfeito e completo. Certo?"

"Sim".

"Então, mesmo pequenos deslizes não serão permitidos."

"Eu sei. Vou iniciar uma investigação imediatamente para procurar a causa. Eu quero que você envie os corpos para o Quarto Especial de Autópsias, Seção V."

"Já estou encaminhando."

"Então eu vou começar a trabalhar imediatamente."

"Por favor. Eu estarei esperando o relatório."

"Roger".

"Ah, sim", Fennec acrescentou. "Uma vez que essa bagunça se acalme um pouco, estou planejando outra limpeza".

"Limpeza? Isso é algo que eu não ouvia há muito tempo. Então diga, Já está chegando a Celebração Santa, não é?"

"Sim, o mesmo dia reverente está chegando de novo. Se você precisar de alguma de suas experiências, posso mandar tantas quanto você precisar. O que diz?"

"Estou vexado pelas espécies das considerações de Sua Excelência."

"Nada dessa formalidade embelezada, se quiser."

"Mas você vai, eventualmente, tornar-se o governante absoluto desta terra", disse o homem. "O único Rei. Eu deveria começar a te chamar de Vossa Alteza".

"E como você gostaria que eu te chamasse?"

"Eu vou permanecer como eu sou. Se eu ainda estiver equipado com as mesmas tecnologias de pesquisa de alto nível e ambiente como estou agora, então não tenho mais nada a pedir."

"Disperso em seus desejos como sempre, estou vendo. Então eu confio que você vá fazer o trabalho."

A tela silenciosamente ficou em branco. O homem deixou o seu olhar voar sobre os documentos que ele tinha lido apenas parcialmente. Infelizmente, parecia que ele não seria capaz de ler o resto hoje.

Eram documentos relativos a espécies de formigas chamadas Eciton burchelli, que habitavam as Américas do Sul e Central. Estas formigas, que formavam colônias de numeração de até 500 mil, não viviam em um lugar estático, mas em vez disso, ciclos repetidos de acampamentos temporários e migrações eram necessários. Havia apenas uma formiga rainha que reinava sobre a colônia de 500.000. Mas o único propósito da rainha na colônia era de botar ovos, e ela não estava necessariamente no controle de seus membros. Formigas soldados e formigas operárias, grandes e pequenas, todas se moviam de acordo com os seus instintos, e, como resultado, a colônia funcionava perfeitamente, como se fossem governados por um grande intelecto comum.

Formigas, e abelhas também, criaram o sistema social ideal.

Não havia um modo de que os seres humanos não pudessem fazer o que os insetos já faziam. Cada um obedientemente preencheria o seu papel. Sem pensar, sem ser interrompido por suspeitas, eles iriam realizar a sua tarefa. Cérebros eram desnecessários. Almas eram de utilidade nenhuma.

Uma colônia de 500 mil, e um único para reinar sobre todos.

Você diz que eu sou disperso em meus desejos, não é? Você está certo, Fennec, não desejo nada. Eu não tenho nenhuma necessidade de desejar. Eu nunca terei de sofrer por ser dominado pelos meus desejos, como você.

O homem sorriu discretamente, e apertou o botão para o elevador que levava diretamente para a Sala Especial de Autópsias.

* * *

Uma geada havia caído. A grama congelada debaixo de seus sapatos fazia sons de trituração quando ele pisava em cima. Quando o sol nasceu, a geada deveria brilhar branca, e a vastidão estéril deveria ser envolta em luz por um instante fugaz. Mas ainda era muito cedo ― o sol ainda não subiria por mais algum tempo. Shion parou seus passos, e levantou o rosto para o norte do céu. Ele queria alcançar a Instituição Correcional antes do amanhecer. Ele não tinha ideia do que iria fazer uma vez que chegasse. Mas tinha de ir. Era tudo o que conseguia pensar. Por que Safu foi apreendida na Instituição Correcional, quando ela deveria estar no exterior? Tinha alguma relação a ele? Se sim, então a segurança de Karan também estaria comprometida? Incerteza e dúvidas irritantes percorriam seu corpo, bloqueavam suas vias aéreas e apertavam contra o seu coração. Ele não queria perder ninguém, nem sua mãe, nem Safu, nem Nezumi. Ele faria qualquer coisa para protegê-los. Mas ele estava frustrado consigo mesmo por não ser capaz de achar uma forma de como ele iria fazer isso.

Mesmo agora, enquanto ele estava andando, Safu provavelmente estava sozinha e assustada. Ele tinha que fazer alguma coisa. Ele tinha que salvá-la e tirá-la de lá. Mas o que ele estava a fazer? Como ele poderia...

Cheep-cheep.

Um grito suave. Seus pés pararam. Seus olhos, que se acostumaram à escuridão, focaram em um pequeno roedor atiçando seu rosto para fora da grama.

"Cravat?"

Ele pegou o ratinho em suas mãos.

"Você me seguiu até aqui? Vá para casa, você não deveria estar..." Ele percebeu no instante em que tinha dito isso em voz alta, que este rato não era Cravat. Não era Hamlet, também. Nem mesmo estava vivo. Este rato não portava nenhum sinal do carinho que os animais vivos tinham.

"Isto é... um robô...?"

"Ele é o navegador." Surgiu uma voz atrás dele. Ele não teve que se virar para saber a quem a voz pertencia. Shion tomou algumas respirações controladas, e, lentamente, virou o corpo.

Nezumi também se aproximava dele lentamente. Ele arrancou o robô minúsculo das mãos de Shion, e o jogou em uma bolsa.

"É um robô navegador simples com funções de mapeamento tridimensional. Estava avisando que você estava indo na direção errada."

"Na direção errada..."

"Você não estava indo para onde fica o Inukashi? Você ia dar àqueles cães de pêlo longo uma tosa porque suas peles estavam ficando inflamadas, não? Saindo muito cedo, hein? Que diligente você. Mas este não é o caminho."

Shion inalou o ar frio da madrugada que ainda estava por vir.

"Isso não tem nada a ver com você", disse ele cortante. "Não é da sua conta o que eu faço, ou aonde eu vou. Estou cansado de você tentando agir como meu guardião. Eu não sou um bebê indefeso, apenas me deixe em paz. Quer saber", disse ele, "já basta. Se você ainda acha que o que aconteceu quatro anos atrás é uma dívida, então deixe-me te dizer que agora já está pago. Você deu mais do que o suficiente. A partir de agora, eu vou ser livre. Eu vou fazer o que eu quiser, sem ser amarrado por você. Essa é a minha decisão, então não fique no meu caminho."

Ele ficou sem ar, e ficou em silêncio. Estava escuro demais para ver a expressão no rosto de Nezumi. Sua figura sombria se mexeu um pouco, e ele ouviu um aplauso suave.

"Isso é completamente uma recitação de um amador. Talvez você tenha talento para atuar, afinal. Realmente foi melhor que o beijo de ontem, pelo menos."

"Nezumi, o que..."

Ele pensou ter visto a mão direita de Nezumi balançando para cima, e então um duro golpe atingiu seu rosto. Shion cambaleou e caiu de costas. O gosto de sangue espalhou dentro de sua boca.

"...O que foi...!"

"Fique de pé já que pode fazer perguntas. O próximo está vindo."

A ponta da bota de Nezumi girou em sua direção. Shion, instintivamente, rolou para o lado.

"Não pare por aí mesmo. Mantenha o movimento, mantenha a fluidez."

Um pontapé pousou firmemente nas costelas de Shion. Sua respiração ficou presa na garganta. Ele se agarrou cegamente num punhado de seixos que enchiam o trecho de gramado.

"Não feche seus olhos. Não olhe para longe dos ataques de seu oponente. Mexa-se!"

Shion se virou para chicotear os seixos em Nezumi, e, ao mesmo tempo, empurrou o chão e tentou chocar com ele com o ombro. Seus pés foram varridos de debaixo dele, e ele se bateu no chão. Desta vez, ele não pôde se levantar novamente. Ele podia ver as estrelas. As estrelas que espalhavam por todo o céu ainda intocado pela madrugada brilhavam quase que assustadoramente intensas.

Ele foi agarrado pelo braço e puxado do chão.

"Shion, isto é um castigo."

"Um castigo pelo quê?"

"Você mentiu para mim."

"Bem..."

"Você vai admitir isso, não vai?"

"É... eu acho."

"Seu segundo crime. Você me menosprezou".

"Eu nunca fiz isso."

"Mentir para alguém significa que você está menosprezando ele. Você acha que eu iria cair na sua desculpa esfarrapada? Se isso não é um insulto para mim, eu não sei o que diabos é".

"Foi o melhor que eu pude fazer", Shion protestou debilmente.

"Bem, você seria um político ou um escritor horrível, já que você não pode sequer bolar uma mentira realista".

"Foi tão ruim assim?"

"Atroz. Mas isso é o que me irrita mais, Shion..."

"Sim?"

"Que você deve ter achado que eu era um moleque que não podia dizer o tipo do beijo do outro. Beijo de boa noite, hein? Besteira."

Nezumi ajoelhou-se na frente de Shion e agarrou seu pescoço com força.

"Você está me ouvindo? Nunca me de um beijo de despedida novamente. Nunca."

"Eu sinto muito."

"E nunca minta para mim de novo."

"Eu não vou."

"Jura".

"Eu juro".

A mão o soltou. Nezumi se fixou numa posição sentada, e olhou para os céus.

"Eu ouvi dizer que há coisas estranhas acontecendo na N° 6."

"Estranhas?"

"Eu não sei os detalhes, mas Inukashi está reunindo informações para mim. Se fizermos isso bem, talvez possamos usar o velho Rikiga e obter algumas informações através de seus clientes, também. E parece que estão acontecendo coisas na Instituição Correcional também. Uma comoção está acontecendo dentro e fora da Nº 6 ao mesmo tempo. Um pouco estranho, não acha?"

"Instituição Correcional? Nezumi, você está dizendo..."

"Sua amiga importante, ou o que seja... você a chamou de sua melhor amiga, certo... fiquei sabendo sobre ela faz um tempo."

Ele entregou o memorando de Karan para Shion. Os dedos de Shion começaram a tremer depois de ter lido a nota.

"Sua Mama está segura por agora. Eu não tenho tanta certeza sobre a sua melhor amiga. Mas não entre em pânico. Agora, temos que reunir todas as informações que pudermos e estabelecer um plano. Inukashi disse que vai ajudar. Isso tudo é a preparação para que possamos infiltrar na Instituição Correcional, logo que possível. Entende? Nós não estamos indo lá para sermos mortos. Nós estamos indo lá para salvá-la. Tenha calma."

Shion assentiu.

"Então, eu finalmente te arrastei para a confusão, também."

"Não é culpa sua. Inukashi diz que ele fareja alguma coisa, e, francamente, eu tenho minhas próprias suspeitas também. Porque eles precisam prender um membro precioso de sua elite? Há uma chance de que isso tenha a ver com os incidentes da vespa".

"As vespas parasitas, hein... mas elas não são ativas nesta época do ano."

"É por isso que algo deve ter acontecido, algo inesperado. Caso sim, então pode valer a pena arriscar o perigo. Qualquer que seja o caso, sempre que Inukashi entra em contato comigo é quando nós fazemos o nosso próximo passo. Até aí, nós temos que recolher nossa própria informação e começar a fazer os preparativos."

Nezumi se levantou e falou com uma bela voz que soou cristalina.

"Anime-se. As coisas vão dar certo. Vamos fazê-las dar certo."

"Obrigado. Você me salvou de novo."

"As coisas estão apenas começando."

Shion levantou-se em seguida, e chamou o nome do rapaz que estava ao lado dele.

"Nezumi".

"Hm?"

"Se importa se eu..."

"Huh? O quê?"

Quando Nezumi se virou para olhar curiosamente para ele, Shion lhe deu um tapa no rosto tão forte quanto podia. Nezumi, é claro, não fez tanto como cambalear ― mas ele certamente ficou assustado. Depois de tomar fôlego, ele gritou:

"...diabos foi isso?"

"É um castigo."

"Castigo?"

"Você escondeu coisas de mim. Você nem sequer mencionou uma palavra para mim sobre este memorando."

"O que eu ia te dizer, afinal? Eu não poderia tê-lo vagando por si mesmo como você fez esta noite. Eu te fiz um favor e cuidei de você. Ou o quê, você está dizendo que eu não tenho o direito de ficar preocupado ― espera, eu já ouvi essa fala antes em algum lugar."

"Preocupar-se comigo e esconder coisas de mim são duas coisas completamente diferentes. Não é como se eu quisesse ser protegido por você. Eu não quero relaxar e viver uma vida fácil, estando sempre protegido por você. Eu quero..."

Shion suavemente apertou os dedos ao redor de sua mão, a qual ele ainda podia sentir a sensação do rosto de Nezumi.

"Quero ser igual a você."

Nezumi encolheu os ombros e ergueu a mão direita em uma promessa.

"Eu admito o meu erro. Eu não vou fazer isso de novo."

"Você jura?"

"Eu juro junto com o meu rosto maltratado."

Ao longe, um galo cantava. Mesmo na escuridão, ele podia sentir a vinda do amanhecer, que anunciava em voz alta e estridente. Em instantes, o céu ao leste iria clarear, e a luz do sol limparia a escuridão. O primeiro dia de sua batalha estava prestes a começar.

* * *

Safu estava tentando acordar. Ela podia sentir sua consciência começando a voltar gradualmente. Mas as suas sensações físicas ainda estavam enevoadas.

Onde eu estou?
O que estou fazendo aqui?
Eu estou sonhando?
Eu tenho que lembrar.
Lembrar o quê?
Minha pessoa muito preciosa.
Pessoa preciosa.

"Safu."

Ela podia ouvir uma voz muito próxima, a voz de um homem.

Não.
A voz não é essa.
A voz que eu estou esperando
não é essa.

"Como você está se sentindo? Eu ouso dizer que você deve estar se sentindo um pouco diferente do que você está acostumada? Mas você vai se acostumar com isso em um momento. Espero que você goste desta suíte especial. É a melhor que você poderia pedir, e é especialmente para você, Safu".

Eu não gosto dessa voz.
Não chame o meu nome.
Não chame o meu nome
com essa voz.

"Safu, você é muito bonita. Ainda mais do que eu imaginava. É bonita, mesmo. Estou muito satisfeito."

Eu não gosto dessa voz e
Eu não gosto desse cheiro.
Cheira a... sangue.
O cheiro de sangue.

"Estou bastante ocupado hoje. Voltarei, Safu. Você deve relaxar e descansar um pouco também."

Os passos desapareceram, assim como o cheiro de sangue. Ela ficou aliviada.

Mas por que
Porque tudo está tão
nebuloso?
Mas eu

Das margens de sua consciência, que ainda não estava totalmente recuperada, uma figura surgiu vividamente em um flash.

Aqueles olhos, aquelas narinas, aquela boca, o olhar distante, o sorriso energético, ou aquela expressão nublada, os dedos longos... e ah, ela podia ouvir sua voz.

"Eu sempre pensei em você como amiga."

Ele sempre foi uma criança. Ele nunca tinha sequer percebido os sentimentos dela por ele. Mas lá estava ele, desesperadamente procurando e desejando outra pessoa. Ela adorava aquela criança, embora intencionasse a alma dele. Ela o amava como se amasse a nenhum outro. Mesmo agora...

Ela estava se esvanecendo da consciência. A escuridão drapeava gentilmente sobre ela.

Eu nunca vou te ver de novo....
Shion.

Shion passou a maior parte do dia cuidando dos cães. Não houve nenhum sinal de Inukashi na parte da manhã, então Shion teve que preparar comida e alimentar dez cães, tudo sozinho. Ele quase que não teve tempo para descansar, mas não sentia que seu trabalho era duro. Pelo contrário, ele estava realmente grato por isso. Imerso em seu trabalho, ele poderia esquecer a sua agitação, mesmo que por um curto espaço de tempo.

Não se apresse e espere com paciência. Aja com calma.

As palavras de Nezumi certamente eram persuasivas, e ele não tinha escolha a não ser assentir com a cabeça, mas mesmo assim não podia evitar a sua agitação. Ele não conseguia manter a calma.

Neste momento enquanto eu estou pensando nisto, Safu está...

Toda vez que o pensamento cruzava a sua mente, suas emoções eram jogadas em desordem, ele iria entrar em pânico, e ele iria morder o lábio até sangrar.

Um cachorro ganiu tristemente. Era um de uma ninhada de filhotes que nasceram no início do outono. Shion percebeu que ele estava olhando para o nada quando deveria fazer a sua refeição.

"Ah, me desculpe."

Ele rapidamente colocou as sobras cozidas em suas tigelas de comida. Os filhotes ferozmente abanaram suas caudas idênticas ao mergulharem as caras na comida. Em meio a circunstâncias em que mesmo os seres humanos morriam de fome, Inukashi conseguia fornecer para seus cães o suficiente para que eles não morressem esfomeados.

As sobras eram enviadas para as ruínas no meio da noite, e eram ordenadas em alimento para os seres humanos, que seria enviado ao mercado, e o resto era utilizado para a alimentação canina. Shion finalmente soube agora de onde vinha. Inukashi provavelmente estava traçando esse caminho. Nezumi, também, havia desaparecido numa parte no início da manhã.

O que ele poderia fazer?

Quanto mais pensava sobre isso, mais ele ficava cara-a-cara com a sua própria impotência. Agitava-o. Ele não conseguia manter a calma. E ele iria morder o lábio de novo, e tentava resistir.

Havia uma sensação de calor na parte de trás de sua mão. Ele olhou para baixo para ver um filhote atentamente lambendo sua mão. Cravat enfiou a cabeça para fora do bolso de sua blusa, e abaixou-se para dentro de novo.

Ele queria mostrar a Safu este filhote de cachorro e este ratinho. Ele queria deixá-la tocá-los, e deixá-la sentir o calor de suas línguas e de seus corpos pequenos.

Safu lhe era querida. Ela era preciosa para ele. Mas era diferente do sentido amoroso ― era mais sereno, mais profundamente conectado. Ele amava a sua família como, como um amigo próximo. Qualquer que fosse o tipo de amor, não faria nenhuma alteração no fato de que ele se preocupava com ela.

Ele fechou os olhos. Ele chamou seu nome.

Safu.

(Parte B)

"Você quer que eu coopere com você?" Rikiga fez uma expressão claramente desagradável.

"Sim", respondeu Nezumi. "Eu quero que você recolha informações de seus clientes." Nezumi se sentou confortavelmente na cadeira e colocou os pés em cima da mesa.

"Informação? Você quer dizer sobre a Cidade Santa?"

"É".

"E o que eu ganho com isso?"

"Grandes riquezas."

Rikiga se levantou e caminhou até Nezumi. Eles estavam em um quarto no edifício de Rikiga usado como seu local de trabalho. Era uma sala cheia de revistas e garrafas vazias, e cheirava a álcool. Olhando para Nezumi, Rikiga torceu a boca numa careta.

"Que pernas longas que você tem, hein. Tá se exibindo?"

"Que honra ser elogiado por você. Elas são máquinas de dinheiro, eu tenho que mantê-las em forma."

A mão de Rikiga bateu fortemente no par de pernas arremessadas em cima da mesa.

"Tire os pés da minha mesa. É óbvio o tipo de educação que você teve", disse ele com desdém. "Nem sabe maneiras básicas, não é?"

"Eu uso as minhas maneiras com as pessoas que merecem elas."

"Sem mencionar a sua linguagem obscena", Rikiga continuou. "E este favor que você está pedindo, isso é algum tipo de peça? Você está praticando um novo papel que você conseguiu?"

"É um problema real."

"Um problema real, hein. Grandes riquezas, você disse? Ridículo."

Nezumi olhou para o rosto de Rikiga, e esboçou um leve sorriso.

"O que há de errado?" disse ele. "Isso é sobre fazer uma fortuna ― você ama esse tipo de coisa. Não fica animado com isso?"

"O que faz você pensar que eu vou acreditar no que uma fraude de ator de terceira categoria, me diz?"

"Então quem você ouviria? Shion?"

O olhar de Rikiga vacilou.

"Shion? Shion tem algo a ver com isso?"

"Ele tem muito a ver com isso."

"Você o envolveu nisso, Eve?"

"Não. Shion enterrou as sementes, elas apenas estão crescendo no meu quintal".

"O que você quer dizer?"

"Se você concordar em me ajudar, eu vou te dizer."

"Desembucha".

"Primeiro, eu quero que você me mostre as informações de seus clientes. Quando é a próxima vez que um funcionário importante da Nº 6 vai vir para se divertir um pouco? Eu quero saber seu nome e seu cargo."

Rikiga exalou brevemente e cruzou os braços.

"Eve, quantos anos você tem?"

"Sou mais novo que você, velho."

"Você deve ser jovem o suficiente para ser meu filho. Penso em dizer isso faz um tempo, mas um moleque como você não tem o direito de tratar adultos desse jeito. Você está sujeito a aguentar as consequências."

Com seus olhos ainda focados em Nezumi, Rikiga gritou: "Conk", em voz alta. A porta para a sala ao lado se abriu e um grande homem entrou.

"Ele é o meu novo guarda-costas", disse Rikiga. "O contratei faz pouco tempo. Ele costumava ser um lutador, e as pessoas costumavam apostar nele em jogos. Ele quase matou várias pessoas com as próprias mãos. No ringue, e fora dele também."

O homem silenciosamente olhou para Nezumi. Ele era tão grande, que fazia o quarto sujo parecer menor apenas estando nele.

"Conk, quero dar a este pequeno príncipe aqui uma recepção adequada. Você não tem que matá-lo. Apenas dê o suficiente para que ele nunca mais seja capaz de fazer outro retorno inteligente novamente."

"Huh?" Conk gaguejou. "Uh..."

"Não faça 'uh' para mim, eu estou dizendo a você para ensinar a esse garoto como é o soco de um adulto de verdade," Rikiga disse irritado.

Conk lambeu os lábios e deu um passo para frente. E outro passo. Nezumi se levantou. Rikiga sorriu com desdém.

"Este é o castigo que merece, Eve. Cada minuto dele."

Os pés de Conk pararam.

"Eve... é você mesmo, Eve?"

Nezumi sorriu e ofereceu a mão em um gesto delicado. Seu sorriso sensual fez até mesmo Rikiga piscar.

"Então, o seu nome é Conk? Prazer em conhecê-lo, Conk. Obrigado por sempre vir me ver no palco. Eu nunca teria sonhado que eu te encontraria aqui. Estou muito feliz."

"Ah... Eve, eu também."

Conk corou em carmesim e gentilmente apertou a mão que lhe foi oferecida.

"Eu sempre fui um fã seu... Eu vi quase todos os seus espetáculos..."

"Eu sei. Você se destacava, então eu sempre sabia quando você vinha para os meus shows. Você até mesmo me enviou presentes, às vezes. Eu sempre quis lhe agradecer diretamente."

"Sério? Você... Você realmente pode dizer quando... quando eu..."

"Claro. E da última vez, você até chorou. Fiquei te observando do palco, também, você sabe."

"Observando? Você estava me observando?"

"Te observando."

"Eve... eu não sei como dizer... eu..."

"Você está emocionado?"

"Sim, emocionado. Com felicidade. Nunca estive tão feliz. Sinto como se estivesse flutuando no ar."

"Obrigado, Conk" Nezumi disse agradavelmente. "E eu odeio te incomodar, mas eu gostaria de ter uma boa e longa conversa com Rikiga-san. Você seria amável e me serviria uma xícara de café?"

"Claro. Alguma coisa para comer?"

"Seria bom. Você tem torta de carne, por acaso?"

"Sim. Vou trazê-lo imediatamente".

Conk desapareceu na sala ao lado com uma rapidez incrível para sua estatura. Rikiga balançou a cabeça.

"Café e torta, hein? Essas coisas são todas minhas, você sabe", Rikiga resmungou.

"Não reclame, ou ele provavelmente te soca. Você mesmo disse. Ex-lutador. Quase matou várias pessoas. Certo?"

"Eu posso ver por que a sua esposa o expulsou de casa," Rikiga disse amargamente. "Ele é completamente inútil quando você mais precisa dele."

"Ele é um bom rapaz. Provavelmente faz um café excelente."

Rikiga estalou a língua três vezes.

"É muita coisa, Eve. Você não só pode lidar com uma faca, como você também pode usar o sex appeal para a sua vantagem também?"

"Ambos fazem boas armas."

"Então, use a arma que você tem."

Nezumi se sentou em uma cadeira e cruzou as pernas.

"Eve, você não é um rato", Rikiga continuou. "Você é uma raposa branca, astuta e demoníaca, ótimo em manipular pessoas. Agora, eu não sei quantas caudas você tem, mas eu sei de um homem que gosta desse tipo de coisa. Ele é da elite, trabalha na Secretaria de Administração Central. Ele é o meu melhor cliente."

"Isso significa que você está cooperando comigo?" O rosto de Nezumi estava sombrio. O rosto de Rikiga também estava sério.

"Eu também ouvi que recentemente houve uma comoção dentro da N° 6."

"As notícias te alcançam rápido, hein. Estou impressionado."

"Não tente me bajular com coisas que não te importam. Ficar por dentro das notícias é o que mantém o meu negócio funcionando. Mas sério” disse estupeficado. "Esta é a primeira vez que eu ouço falar de alguma coisa fora do lugar naquelas bandas. E foi assim que a Cidade Santa veio a ficar depois de tantas décadas? É provavelmente por causa do tempo que as coisas começam a se desgastarem nas emendas. E se esse é o caso, então eu quero saber mais. Eu ainda estou preocupado com essas coisas, Eve. E se Shion está envolvido... então eu não quero dar as costas".

"Ele é precioso para você?"

"Ele me lembra da Karan. E ao contrário de você, ele é sincero e amável. Ele é um bom garoto. Karan o criou bem. Provavelmente ela o regou com muito amor."

"O que há de errado, velho?"

"O quê?"

"Por que está tão sério? Você está doente ou algo assim?"

"Me deixa, vai", Rikiga estalou. "Quando estou com Shion, eu me sinto em paz. Eu não sei por que... Mas de qualquer maneira, eu vou lhe mostrar os arquivos de dados dos meus clientes. Uma vez feito isso, vamos ouvir a sua história. Eu não tenho certeza se isso vai ascender a "enormes riquezas', mas pode ser de algum interesse para mim."

"Isso é o que você realmente espera, não é?"

"Diga o que quiser."

O aroma do café flutuou até ele.

Nezumi pensou em Shion.

Regado com amor ― ele provavelmente havia sido muito bem regado. Sua imprudência, sua generosidade, sua simplicidade, sua ampla aceitação, eram, provavelmente, todos os sinais da ampla quantidade de amor que ele havia recebido. Shion provavelmente nunca tinha vivenciado aquilo o que era rastejar por amor. Essa era a sorte dele. Mas o amor às vezes poderia ser revertido a seu oposto. O amor poderia atrair o ódio, e se levar a destruição.

Felizmente, o amor que tinha sustentado Shion, o amor que residia dentro de Shion, não se tornaria as correntes que o prenderiam, nem a mão que o levaria a morte...

Nezumi inalou profundamente o cheiro perfumado, mal conseguindo evitar um suspiro de escapar de seus lábios.

Inukashi se arrastou pelo caminho, frequentemente inclinando a cabeça em perplexidade.

Ele não sabia como classificar a informação que havia reunido. Era como fazer uma triagem de minério, separando as gemas das rochas. A partir das resmas de informações, ele tinha de selecionar aquelas que importavam, construir as partes em uma estrutura, e tirar uma conclusão. Ele não era muito bom para estes processos.

Ah bem. Eles vão descobrir o resto. O meu trabalho é apenas despejar toda a informação na frente deles. Mas eu não posso evitar em pensar...

Ele parou seus pés por um capricho e esticou o pescoço. À distância, podia ver as muralhas da fortaleza de N° 6. O material especial refletia a luz do inverno. Inukashi nunca tinha pensado profundamente sobre aquela terra. Era apenas um mundo totalmente diferente, brilhando ao longe. Era isso. Sua única preocupação era sobreviver à privação do dia, e negociar para não morrer de fome. Ele nunca havia ligado o seu calvário com a brilhante Cidade Santa. Mas Nezumi era diferente. Ele estava constantemente ocupado com a N° 6 em si.

Por que ele insiste em se preocupar? O que o levava a isso?

Amor e ódio não eram diferentes já que ambos eram armadilhas.

Houve uma rajada de vento. Estava frio. A qualquer hora amanhã, o tempo provavelmente mudaria.

Inukashi se encolheu e deu um pequeno espirro.

Ele havia se deixado levar, sabia disso. Ele havia sido levado firmemente pelas intenções persistentes de Nezumi, e a determinação de Shion.

Não, não é isso. Metade da culpa foi de eu mesmo ter me metido nisso.

Não era porque ele tinha sido ameaçado por Nezumi, ou porque sentiu pena de Shion. Ele entrou em cena por vontade própria.

Mas por quê?

Ele questionou a si mesmo, mas não recebeu uma resposta.

Por quê? Por que eu...

Ele esticou o pescoço novamente para analisar a Cidade Santa.

Alí, a Cidade Santa de N° 6 brilha, e aqui é onde passamos nossas vidas. A quantidade de sobras que N° 6 cospe em um único dia é o suficiente para satisfazer facilmente a fome de todas as pessoas aqui. Apenas sobras. Comidas meio comidas, pelo amor de Deus.

Gula e fome, extravagância e pobreza, alegria da vida e medo da morte, arrogância e humilhação...

Ele seria capaz de mudar isso?

Inukashi caminhou rapidamente com o vento. Seu cabelo ondulou e oscilou por trás dele.

Seria ele capaz de mudar a realidade em que havia se resignado, os dias que ele tinha lutado para sobreviver, sua vida que há muito havia sido despojada de qualquer dignidade como ser humano?

Ridículo. É apenas um conto de fadas. Além disso, o que podemos fazer agora que... Mas Nezumi era capaz, e assim também era Shion. Nezumi e Shion acreditavam. Eles acreditavam que eram capazes de mudar as coisas com o seu próprio poder.

Inukashi não conseguia rir deles por isso. O pensamento, a possibilidade, passou por sua mente.

Isso é ruim.

Um passo em falso e ele provavelmente não viveria para ver a primavera.

Isso é ruim. Isso é muito ruim.

Mas ele estava alegre. Sentia-se tão alegre que sentia como se fosse cantar.

Enquanto ele assobiava uma melodia leve, o vento batia em seu corpo, Inukashi se encontrou dando um impulso para correr.

Shion terminou ordenadamente de pentear o último cão, e tombou-se no lugar. Ele tinha de admitir que estava exausto. O dia inteiro hoje se dedicou a cuidar dos cães. Ele sentia como se ele mesmo tivesse se tornando um cão. Já estava anoitecendo.

Os filhotes se empurraram para ele, brincando.

"Tudo bem, tudo bem. Venham, então, todas as suas pulgas devem ter ido agora." Ele tinha acabado de escovar um deles quando Cravat deu um grito de seu bolso. Shion levantou o rosto.

Nezumi estava bem a sua frente. Ele não tinha percebido isso. Ele não tinha sentido nenhuma presença. Mas é claro que, a esta altura, não era nenhuma surpresa para ele também.

Shion abaixou o filhote e se levantou sem dizer uma palavra. Nezumi, também em silêncio, empurrou o queixo. Ele começou a andar em linha reta em direção às ruínas.

"Nezumi... você recebeu notícias de Inukashi?"

"Os dois estão esperando por nós."

"Dois?"

Subiram as escadas em ruínas e abriram a porta no final do corredor. Em cima da pequena mesa redonda, uma vela estava queimando. Inukashi e Rikiga estavam sentados.

"Eles ofereceram graciosamente a sua ajuda. Vamos ser gratos, Shion."

"Graciosamente?" Inukashi zombou, e deu um suspiro exagerado. "Eu não acho que sermos ameaçados, subornados ou enganados para fazer algo é ‘gracioso’, Nezumi".

Shion deu um passo adiante e inclinou a cabeça profundamente. Ele não tinha palavras para dizer. Sentia-se como se as palavras não fossem capazes de expressar o quão grato ele se sentia.

"Obrigado... todos vocês." Esta declaração típica era tudo o que ele podia dizer.

"Shion, não há necessidade de levar isso a sério", brincou Nezumi. "Todos eles têm segundas intenções. Só estão aqui porque foram atraídos para o doce aroma de lucro pessoal".

"Eve, um dia desses, essa sua língua atrevida vai apodrecer e cair. Isso eu tenho certeza." Rikiga tinha uma garrafa de uísque na mão direita, que ele havia, evidentemente, trazido junto com ele. Ele tomou um gole e engoliu lentamente.

Nezumi indicou com o seu olhar para Shion para se sentar e se abaixou em uma cadeira logo depois. Inukashi foi o único que se levantou.

"Posso começar, Nezumi?"

"Sim. Vá em frente."

Shion apertou um punho em seu colo. Fiz todas essas pessoas serem envolvidas. Eu sou o único que fez isso. Eu não posso me deixar esquecer isso.

Uma mão de repente se estendeu para ele. Era de Nezumi. Ele gentilmente abriu o punho de Shion, dedo por dedo, suavemente, como se estivesse brincando com ele.

"Estamos apenas começando. Fique tenso assim, e você não vai durar muito."

Com o olhar fixo na chama tremulante da vela, Nezumi falou como se para si mesmo. Havia, provavelmente, uma brisa vinda de algum lugar para que a chama ficasse oscilando. Já estava completamente escuro lá fora. Um longo dia estava chegando ao fim. Não, as coisas estavam apenas começando. Eles estavam apenas começando ali.

"Esta semana, o número de presos escoltados para a Instituição Correcional foram três. Entre eles..." Inukashi sumiu enquanto olhava para a vela, em seguida, retomou. A escuridão se intensificou sobre eles. A chama brilhou. "Entre eles, não havia mulheres. Não houve escoltas de dentro da cidade. Todos os três eram homens do Bloco Ocidental."

Nezumi o questionou em voz baixa.

"Você tem certeza disso?"

"Sim. Ouvi diretamente do cara que é encarregado de preparar as roupas dos prisioneiros. Havia três deles registrados nos dados do Registro de Prisioneiros. Eles tentaram invadir o escritório de controle de acesso para roubar dinheiro. Ou eles estavam com fome suficiente para fazer isso, ou eles se achavam engraçados. De qualquer maneira, não havia nenhuma mulher."

"Isso não pode ser!" Shion saltou de seu assento.

Não havia uma possibilidade de que pudesse ser. Mas, ao mesmo tempo, seu coração amoleceu por um instante. E se Safu realmente estivesse segura? Talvez esse casaco fosse apenas um engano meu, e não pertencesse à Safu. Talvez...

"Se isso for verdade, então as coisas vão ser complicadas." Nezumi franziu a testa. Sua voz era fria, como a brisa que fazia a chama tremer.

"Complicadas?"

"Isso significa que ela provavelmente não é uma prisioneira legítima. Sei que é estranho chamar um prisioneiro de legítimo, mas se ela não está registrada como uma na Instituição Correcional, então Shion, isso significa que ela não existe mesmo como uma prisioneira. Ela foi apagada."

"Apagada..."

"No momento em que sua amiga foi capturada pela Secretaria de Segurança, todos os seus dados como uma cidadã devem ter sido apagados. Em circunstâncias normais, os dados seriam apenas encaminhados para o computador principal da Instituição Correcional, e apresentados como dados de prisioneiros. Então, uma vez dentro do mecanismo, toda a sua informação pessoal seria recolhida e adicionada, juntamente com as fotos de todos os lados, altura, peso, impressões digitais, assinatura vocal, íris e a sua veia do dedo. Somente após esses procedimentos os presos realmente se tornam prisioneiros. Isso não importa muito para os ladrões do Bloco Ocidental, mas se o assunto é um ex-cidadão da N° 6, então eles com certeza gostariam de aprofundar estas coisas. Mas desta vez, isso não foi feito. Porquê? Então, seria para não deixar nenhum vestígio de que sua amiga existiu."

"Hey, Nezumi". Rikiga ruidosamente colocou a garrafa sobre a mesa. "Você não pode falar as coisas um pouco mais delicadamente? Toda essa conversa sobre apagar e deixar vestígios... é quase como se você estivesse dizendo que a garota... é, Safu, né? Você faz parecer como se essa menina Safu já foi assassinada."

"Eu acho que você está precisando de mais delicadeza do que eu, velho."

Shion engoliu em seco, enquanto ouvia os dois falarem. Ele não se sentia bem. Ele sentiu como se estivesse em um ataque sórdido de embriaguez. Mas agora não era o momento de cair sobre a mesa e ir dormir.

Safu....

"Safu foi um recurso humano excepcional", Shion disse uniformemente. "A cidade gastou muito tempo e dinheiro em sua educação desde a infância. Eles a estavam educando para ter uma futura carreira nos escalões superiores da cidade. Porque eles a apagaram? Seria uma enorme perda para a cidade também se eles fizessem isso."

Sua própria voz soava como a de um estranho aos seus ouvidos. Era uma voz rouca e irritante.

"Sim, esse é o problema", Nezumi concordou. "Por que eles estavam tão dispostos a acabar com uma elite que eles domesticaram com todo esse tempo e dinheiro? Não é provável que ela foi lá e fez algo idiota, como você fez quando tinha doze anos."

O nariz de Inukashi contraiu.

"Que coisa idiota? Será que isso tem algo a ver com o porquê de Shion ter sido expulso da N° 6?"

"Sim. Mas isso não é relevante agora. Shion."

"É..."

"Qual é a estrutura familiar da sua amiga?"

"Safu não tem pais. Acho que a única parente que ela tinha era a sua avó. Ela disse que tinha sido criada por ela."

"Apenas a avó, hein. O que significa que se a avó morre, então Bestie fica sem parentes."

"É..."

Shion levantou o rosto, e seu olhar se encontrou com um par de olhos cinzentos. Ele poderia, finalmente, entender onde Nezumi estava tentando chegar.

"Mesmo que Safu desaparecesse, não haveria nenhum parente para fazer muito caso sobre isso. E não só isso..."

"O que mais?"

"Safu deveria estar morando em outra cidade por dois anos em intercâmbio. Mesmo que ela desaparecesse da N° 6, ninguém acharia estranho."

"Isso provavelmente resume tudo, então. Ela é uma elite, não tem parentes, e não levanta suspeitas se ela desaparece por um longo tempo. Sua melhor amiga preenche esses requisitos. Foi por isso que foi presa e encarcerada na Instituição Correcional. Não como prisioneira, mas..."

"Não como uma prisioneira, então para quê?"

"Eu não sei." Nezumi balançou a cabeça. Inukashi se inclinou para frente.

"Ei, isso tem algo a ver com os boatos? Aqueles sobre a doença estranha acontecendo na N° 6."

"Você tem os detalhes sobre isso?"

"Não", Inukashi disse prontamente. "Não é tão fácil obter informações sobre o que está acontecendo dentro daquela cidade, você sabe. Isto pode ser mais um trabalho para o Sr. Alcoólatra."

Rikiga bebeu o resto do conteúdo da sua garrafa, e olhou para Inukashi com os olhos injetados de sangue.

"Eu não acho que um menino-sarnento tem o direito de me chamar de alcoólatra. Quanto à informação privilegiada sobre a cidade, eu não posso obtê-la imediatamente. O mais breve seria depois de amanhã. Mas estou avisando, Eve, só porque você tem todas as informações de que precisa, isso não significa que as coisas estão indo bem. Como você planeja se infiltrar na Instituição Correcional? "

Não houve resposta. Rikiga encolheu os ombros.

"O que você vai fazer? Atacar o Escritório de Controle de Acesso, como aqueles três lunáticos, e ser preso de propósito?"

"Não é possível fazer isso", Nezumi disse bruscamente. "Toda a minha informação pessoal está gravada no computador principal deles."

"Uh? Então era verdade que foi uma vez para a Instituição Correcional. Ah, então há uma forma de sair daquele lugar vivo, hein. Que surpresa. Me dá um autógrafo, vai, eu vou pendurá-lo na parede. Claro que, com o seu nome real. "

Nezumi ignorou a piada de Rikiga. A chama brilhou violentamente. O vento provavelmente tinha ficado mais forte.

"Inukashi... E sobre o sistema de segurança?"

"Eu não arranjei nada muito específico. Consegui os principais pontos. E parece ter uma nova fábrica que está sendo construída no subsolo."

"Novas instalações? Para quê?"

"Eu não sei. Nem os guardas estão autorizados a ir lá. Supostamente há um elevador que leva diretamente para o andar de cima, mas também tem um sistema de reconhecimento físico elaborado para que apenas uma fração das pessoas possa entrar."

"Top-secreto e confidencial, hein... e esta instalação está localizada na Instituição Correcional, e não na Moondrop. Estou vendo."

Nezumi mergulhou em seus pensamentos. Shion fixou seu olhar sobre o perfil de Nezumi.

"Nezumi".

"O quê?"

"Ser preso seria a maneira mais fácil e infalível, certo?"

"Em certo sentido. Mas uma vez que você entrar assim, não haveria folga para a livre circulação, contudo."

"É impossível resgatar Safu? Não existe sequer um por cento de possibilidade de poder salvá-la?"

Nezumi olhou para Shion com uma mistura de indiferença fria e piedade.

"Você está no mesmo barco que eu," disse ele. "Eles têm todas as suas informações pessoais em arquivos. Diga, ficamos presos e fazem uma varredura em seus dados. Levaria nem um segundo para identificá-lo com o criminoso de primeira classe foragido. Se a sorte trabalhar a seu favor, você poderia ser enviado para uma cela solitária. Se não, você seria executado no local".

Rikiga irrompeu em um acesso de tosse. Inukashi puxou sua cadeira para trás com um grande grito.

"Criminoso fugitivo de primeira classe? Este menino bobo aqui? Espere um minuto, Nezumi. Eu não ouvi uma palavra sobre isso."

"Porque eu não te contei."

Ignorando Inukashi e o olhar extasiado de Rikiga, Shion persistiu com Nezumi. Tinha que haver alguma coisa. Em algum lugar, tinha que haver uma possibilidade. Mesmo que fosse menor que um por cento, mais fino que um fio de aranha, ele tinha que agarrá-la e arrastá-la em direção a ele. Desespero não era permitido.

"Se formos presos como prisioneiros, todo mundo seria identificado imediatamente? Não existe alguma maneira de evitar a identificação no tempo entre ficarmos presos até chegarmos à Safu?"

"Não", respondeu Nezumi. "Assim que sermos presos, eles puxarão todas as nossas informações pessoais, e examinarão seus arquivos. Eles não vão deixar uma única toupeira passar despercebida. Então nós teríamos um V-Chip implantados. Os prisioneiros são amarrados e colocados sob vigilância durante todo o tempo. Nós não vamos nem mesmo ter um segundo de livre circulação."

"Não há exceções?"

"Não há exceções. Nem uma única..."

Nezumi abruptamente engoliu suas palavras. Seu rosto congelou.

"Nezumi?"

Em seu silêncio repentino, Shion, Inukashi e Rikiga prenderam a respiração e, inconscientemente, prepararam seus ouvidos. A voz derramou em meio ao silêncio.

"Há sim."

"Hum?"

"Há apenas uma exceção."

Shion arregalou os olhos, e olhou fixamente para o perfil iluminado por velas de Nezumi. Os lábios de Nezumi se moveram.

"A Caça". Sua voz era rouca e muito baixa.

O corpo de Inukashi ficou tenso em sua cadeira. Rikiga tirou o olhar de Nezumi, e agarrou sua garrafa de licor.

"A Caça? O que é isso?" Shion olhou para os outros três rostos. Não houve resposta de nenhum deles. A escuridão na sala engrossou. Inukashi suspirou.

A noite se aproximava.

N° 6, brilhando em ouro, reinaria sobre a noite. Em um canto do Bloco Ocidental, em uma sala esculpida entre as ruínas, bem no fundo do abismo da noite, os quatro silenciosamente sentaram-se em torno de uma chama bruxuleante.

Ouviram o som do vento. Ele gemia como se chamasse alguém, como se em saudade. E a noite cobria tudo.

O vento assobiou. A chama estalou e se foi como se tivesse gastado a última de sua energia. O sussurro de Nezumi ecoou na escuridão. Não era mais rouca.

"A Caça... Essa é a única exceção."

 

Leia o capítulo 1 do volume 4

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Notas

  1. Traduzido do Inglês que foi traduzido do Japonês. Não foi possível encontrar uma fonte. [Voltar]

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