segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

[Novel] No. 6 Volume 2 Capítulo 5

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Capítulo 5: Perigo oculto

No primeiro dia, todos apontavam para seus países. No terceiro ou quarto dia estávamos apontando para os nossos continentes. Ao quinto dia, víamos apenas uma Terra.
- Sultan bin Salman Al-Saud, astronauta

Depois que Shion havia acabado de ler o livro de imagens, Karan deu um suspiro de satisfação.

"Foi uma boa história."

Rico abriu suas narinas mal-humorado. Ele brincou com os curativos recém mudados em seu pescoço e reclamou.

"Bem, eu não acho que foi bom. Histórias sobre coelhos são chatas."

"Então, que tipo de história que você quer ouvir, Rico?" Shion perguntou.

"Ummmm..." Rico parou por um momento de reflexão. "Ah, uma história sobre o pão. E... e uma sobre sopa e batatas doce fritas."

"Você deve estar com fome, Rico."

Karan virou-se para Shion e assentiu.

"Ele está com fome o tempo todo. Rico fica mais com fome do que qualquer outra pessoa."

"Só um minuto, então. Eu acho que tenho um pouco de sopa..." Havia sopa sobrando para ele? Uma tigela de sopa que poderia saciar o estômago vazio de Rico por um curto tempo...

Karan se levantou.

"Não, obrigado. Está tudo bem. Temos de ir para casa agora." Ela levou o seu irmão mais novo pela mão e foi até a porta. Ela parou, virou-se e falou em voz baixa. "Obrigado por ler para gente."

"Vocês são muito bem-vindos."

"Podemos vir amanhã de novo?"

"É claro."

"Ok". Um sorriso se espalhou pelo rosto Karan, e ela meio que arrastou Rico para fora. Nezumi se esticou na sombra de uma pilha de livros.

"Estúpido como sempre, não é?"

"Estúpido? Eu?"

"Dizem que os maiores idiotas são aqueles que não percebem que são idiotas. Acho que tinha um provérbio assim." Nezumi se levantou, e colocou o pano de super fibra em seu pescoço. "Você tentou ajudar as crianças. Você tentou dar-lhes resto de sopa."

"Isso é uma coisa estúpida de se fazer?"

"Essas crianças vieram aqui para que você lesse para elas, não vieram para mendigar. Se você pudesse garantir que Rico nunca fosse morrer de fome de novo, seria bom e legal. Mas se você lhe der sobras de sopa um dia por capricho, o que vai fazer da próxima vez que ele morrer de fome? Você não seria capaz de cuidar dele o tempo todo. Se você estiver indo ser irresponsável e for abandoná-lo no meio do caminho, seria melhor que não desse nada a ele em primeiro lugar. Karan tem uma ideia melhor de como as coisas funcionam. Essa menina é brilhante e digna. Ela soube recusar a sua caridade meio-sentimental e imprudente."

Shion se afundou em uma cadeira. As palavras de Nezumi sempre lhe infligia dor. Parecia que sua pele estava sendo arrancada de seu corpo. Ele quase podia ouvir o som de sua carne sendo rasgada por ele. Sua idiotice, sua arrogância, sua negligência. Sua vaidade fora despojada dele, ele fora deixado nu: superficial e pretensioso ― seu verdadeiro eu. Nezumi caminhou à sua frente e continuou a falar enquanto colocava um par de luvas.

"Há um segundo exemplo de sua estupidez. Quer ouvir?"

"Claro. Diga-me."

"Você fez uma promessa para amanhã."

"Há algo de errado nisso?"

"Não há nenhuma garantia de que vai haver um amanhã."

Shion respirou fundo.

"Então você está dizendo que eu não posso ter certeza de que eu vou estar vivo amanhã para ler um livro para essas crianças?"

"É. Veja, você está começando a pegar as coisas mais rapidamente. Você está na lista de procurados da Secretaria, e saiu vagando ontem. Eu não ficaria surpreso se os satélites de rastreamento já te pegaram. Talvez os caras que não têm nada melhor para fazer na divisória da aplicação da Lei da Secretaria de Segurança estejam vindo para cá agora. Se estiverem, então você pode esquecer de ter um amanhã de leitura. Na melhor das hipóteses você estaria em uma cela solitária na Unidade Correcional, na pior das hipóteses, você não iria nem mesmo ser capaz de falar, porque estaria morto".

Shion estava olhando para as mãos cobertas palas luvas de couro de Nezumi. Mesmo quando ele estava falando cruelmente, seus movimentos ainda eram graciosos. Shion queria imitá-lo se pudesse.

"O que?" Disse Nezumi. "Você está no espaço de novo."

"Ah... oh, me desculpe."

"Você realmente não tem noção do perigo, não é? Acho que até um gamo recém-nascido seria mais cauteloso do que você."

"Nezumi".

"Eu não quero ouvir isso", disse ele abruptamente. "Eu estou indo trabalhar."

"Será que as autoridades da cidade realmente têm a intenção de me prender?"

Nezumi parou.

"Este lugar é ao lado da Nº 6", Shion continuou. "Se eles realmente se propuseram para me pegar, não seria difícil para eles, de qualquer modo... não, não só a mim. Você também é um VC foragido, não é? E, ao contrário de mim, você saiu andando lá fora o tempo todo. Os satélites de rastreamento na Nº 6 são capazes de manter a vigilância detalhada em um local em sua órbita estacionária".

"Uh-huh, então?"

"Então, eu estou querendo saber o porquê. As autoridades não estão sérias em tentar nos pegar. Eles certamente não ficaram desesperados com isso, para dizer o mínimo."

Nezumi encolheu os ombros.

"Shion, de ambas as formas, boas e más, a cidade em que você nasceu não está interessada nas coisas fora dela. Para eles, tudo é completo dentro daquelas paredes. O Bloco Ocidental é a sua lata de lixo. Aqui, eles jogam fora os seus resíduos, suas pus. Se você é pus a eles, provavelmente acham que o Bloco Ocidental é um lugar apropriado para você. Eles apertaram o pus para fora de seu ferimento minúsculo e jogaram no lixo. Eles não vão voltar procurando por isso."

"Então, eu estaria seguro enquanto estivesse aqui."

"Quem sabe? Provavelmente as coisas não irão muito bem, mas há uma chance de você ficar seguro... Você disse que queria continuar a viver aqui, não disse? Talvez o seu sonho vá se realizar."

"Até a primavera, pelo menos."

Ele tinha uma moradia até a primavera. Uma vez que a primavera chegasse, e as vespas entrassem em seu período de atividade, o que aconteceria no interior da Cidade Santa? Será que as vespas parasitas varreriam a cidade com seu medo? Ele tinha que fazer algo antes que ficasse mais quente, antes que a primavera chegasse. Ele tinha que bolar um plano antes que terminasse o inverno.

"As vespas comedoras de gente finalmente se mostraram", disse Nezumi alegremente. "Você deve apenas sentar e assistir. Vai ser um palco interessante para ver o que acontece na Nº 6. Nossa vespa será a estrela do palco. Uma tragédia como nenhuma outra, ou uma comédia como nenhuma outra. Eu me pergunto o que vai ser?"

"Minha mãe ainda está dentro daquela cidade. Eu não posso parar e ficar olhando."

"O que, você está pensando em ir para casa?"

"Uma vez, antes da primavera chegar. Vou ver se consigo fazer um soro sanguíneo então."

"Usando o seu próprio sangue?"

"É. Seria impossível fazer um perfeito, claro, mas vale a pena tentar."

"Ei, você pode ser um gênio, mas o que você pode fazer sem frascos e seringas? Você com certeza não poderá obtê-los aqui."

"Eu vou tentar pedir a Rikiga-san. Talvez ele possa conseguir pelo menos o mínimo de equipamento de que vou precisar."

"O homem não vai fazer nada a menos que ele coloque dinheiro no bolso", Nezumi disse categoricamente. "Você pode ser o filho de uma garota que ele amava, mas tentar convencê-lo a fazer o trabalho de graça, e ele vai dar a volta tão rápido quanto qualquer coisa."

"Você acha?" Shion disse com dúvida. "Mas nós ainda vamos precisar de um soro. Sim, eu vou dizer a ele que se tudo der certo, ele poderá ganhar um pouco dinheiro com isso. Vou convencê-lo de algum mo..."

Os pés de Nezumi se moveram. Shion, com cadeira e tudo, saiu voando pelo chão. Uma pilha de livros caiu. Os ratos saíram correndo.

"O que foi isso?" Ele tentou se levantar. Antes que Shion pudesse se mover, o joelho de Nezumi estava em seu peito, e sua mão estava segurando seu ombro para baixo.

"Shion". Olhando para o rosto de Shion enquanto ele estava deitado de costas, Nezumi moveu os dedos do ombro Shion para sua garganta. Através do couro de suas luvas, Shion podia sentir a sensação de cinco dedos em seu pescoço. Eles começaram a apertar lentamente.

"Você não vai resistir?"

"Não. Não ia adiantar nada. E você concorda", Shion disse calmamente.

"Desiste muito facilmente, hein? Não se preocupa com a sua vida?"

"É claro que sim."

"Ou você está pensando que eu nunca te mataria?"

"Sim".

Nezumi sorriu. Seus olhos cinzentos, seus lábios finos e seu nariz bem definido formaram um sorriso bonito, mas cruel e impiedoso.

"Não pense muito bem de si mesmo", ele disse suavemente. Uma faca apareceu na mão de Nezumi, como se por magia. "Lembro-me de fazer algo assim há quatro anos também. Eu estava te segurando bem assim em sua cama."

"Eu também me lembro", disse Shion. "Naquela época, fui eu quem se lançou em direção a você. Você se esquivou como se fosse nada, e no momento seguinte, você estava me prendendo e eu não conseguia nem me mover."

Naquela noite tempestuosa. Lembrou-se do vento uivando fora de sua janela. Lembrou-se da sensação de corpo magro de Nezumi, febril e quente. Fazia quatro anos desde então.

Já faz quatro anos, e eu ainda não tenho nem a habilidade e nem o coração para empurrar este corpo de lado.

"Naquela época, eu estava segurando uma colher. E eu disse ― você se lembra? ― Que, se isso fosse uma faca, você estaria morto."

"Sim".

"Quer tentar?" Seus dedos se afastaram da garganta de Shion. Em seu lugar, a lâmina de uma faca foi empurrada sob seu queixo. Estava frio. Shion sentiu uma pontada de dor.

"Eu não vou deixar você fazer um soro sanguíneo", Nezumi sussurrou. "Eu não te salvei para que você pudesse sair por aí fazendo algo assim. Mantenha seu nariz fora das coisas que não são da sua conta. Fique escondido aqui até chegar a hora."

"Até chegar a hora? Quando é que vai ser?"

"Quando eu atacar Nº 6 com o seu golpe fatal, é nesse momento."

"Quando você atacar Nº 6..."

"É. Vou sufocá-la até o último suspiro."

O peso se levantou do peito de Shion. Nezumi guardou sua faca, e limpou o sorriso cruel de seu rosto. Ele tirou uma luva, e acariciou Shion sob o queixo com o dedo nu. Uma pequena mancha vermelha saiu na ponta de seu dedo.

"Este é o seu sangue. Nem pense em fazer algo tolo como um soro. Conserve isso para que se possa fazer um melhor uso."

"Nezumi". Shion agarrou seu pulso. "Por que você detesta tanto a Nº 6?"

Não houve resposta.

"O que aconteceu entre você e Nº 6? Por que você tem tanto ódio por ela?"

Nezumi exalou brevemente. Os músculos de seu pulso flexionaram.

"Shion, você ainda não entendeu que tipo de lugar é a Nº 6? Ela suga os nutrientes dos lugares ao seu redor, e enquanto eles crescem magros, ela só fica mais inchada. É uma horrível..."

"Cidade Parasita".

"É. Então você sabe o que eu estou falando. A humanidade está tendo mais e mais a intenção de expulsar organismos parasitas. O que eu estou fazendo é a mesma coisa. Vou exterminar e limpar a Nº 6 da face da terra. Uma vez que o lugar se for, as pessoas aqui não terão mais de viver em uma lata de lixo."

"Mas o que eu quero ouvir é a sua razão pessoal", Shion persistiu.

"Eu não tenho uma."

"Você está mentindo. Foi você quem me disse apenas para lutar por mim mesmo."

Nezumi ficou em silêncio e encolheu os ombros.

"Seria vingança?"

Silêncio. Nezumi nem mesmo se incomodou de tirar o pulso de Shion, e olhou para ele no momento em que eles ficaram cara-a-cara.

"Você quer se vingar de Nº 6? Se você quer... então o que aconteceu?"

"Eu não preciso te dizer."

"Eu quero ouvir isso." Shion cerrou os dedos ao redor do pulso de Nezumi. "Eu quero saber, Nezumi".

De repente, Nezumi começou a rir. Parecia uma risada que era genuinamente cheia de alegria.

"Nossa, você é como um pirralho fazendo uma birra. Certo, Shion."

"Mm-hmm?"

"Se eu te contar, você vai cooperar comigo?"

"Hein?"

"Quer me ajudar quando eu esfaquear o coração da cidade em que você nasceu e cresceu? Você me ajudaria a trazer destruição ― não a salvação ― para a cidade? Eu não preciso de qualquer soro sanguíneo. Se as vespas parasitas existem, então vou usá-las. quero causar estragos dentro da Nº 6. Quero ver as pessoas que sempre viveram em segurança caírem em pânico, fugirem em confusão, e se levarem a destruição. Esse é o tipo de coisa que eu tenho em mente. Você vai me ajudar, Shion?"

Shion balançou a cabeça de um lado para o outro. Ele baixou o olhar do par de olhos cinzentos.

"Eu não posso fazer isso."

Os dedos de Shion foram sacudidos.

"Você é sempre assim," Nezumi cuspiu. "Você sempre diz que quer saber, mas nunca está preparado para lidar com isso. Saber significa estar preparado para saber. Depois de descobrir a verdade, não há como voltar atrás. Você não pode voltar a ser da maneira que era, feliz e despreocupado. Porque você não pode entender isso? Shion, deixe-me fazer outra pergunta."

Nezumi agachou-se, e enganchou um dedo sob o queixo de Shion.

"Eu ou a Nº 6 - qual você escolhe?"

A respiração de Shion ficou presa na garganta. Ele sabia que seria confrontado com esta decisão um dia. Ele sentiu que ia acontecer.

O que ele deveria escolher? Se ele escolhesse um, perderia o outro. Ele não queria voltar para Nº 6. Nesse sentido, ele não tinha qualquer laço deixado por aquela cidade. Mas com as pessoas, era diferente. Sua mãe, e Safu, que estava em outra cidade agora, e os moradores da Cidade Perdida estavam todos dentro daquelas paredes. Dentro daquelas paredes tinha um cenário familiar e boas lembranças.

Se Nezumi nutria ódio da Nº 6 inteira, de seu povo, da paisagem, das memórias e de tudo mais, então ele não poderia simpatizar com aquele ódio.

Os dedos de Nezumi se retiraram de seu queixo.

"Você ama a Nº 6, e eu a odeio. É por isso que, um dia, vamos ser inimigos."

Foi um murmúrio. Um murmúrio que esfaqueou seu coração.

"Eu tenho a sensação de que vamos", Nezumi disse calmamente.

Ele havia dito algo semelhante antes. Naquela vez, também, Shion tinha dito que ele queria saber. Ele queria saber como Nezumi cresceu. Eu quero saber sobre você, tinha dito. E agora ele estava recebendo a mesma resposta que recebeu naquele momento. Nós vamos ser inimigos. Mas naquela época, ainda havia riso nos olhos de Nezumi, e sua voz era leve com tom de brincadeira. Mas agora, estava pesada. Uma escuridão pairava sobre a declaração, esta realidade pesada afundou ainda mais em Shion. Era a resposta honesta de Nezumi.

Algum dia, nós vamos ser inimigos.

Nezumi se levantou, e olhou para o relógio na parede.

"Merda, estou atrasado", disse ele a si mesmo. "O gerente provavelmente está irritado." Ele virou as costas para Shion. Sua voz e seus olhos se limparam de qualquer sombra de intenção homicida. Seus olhos cinzentos brilhavam, e seu tom de voz era casual.

"Nezumi".

"Sim, sim", disse Nezumi despreocupadamente. "Mamãe vai trabalhar agora. Cordeirinho, você estará no comando da casa enquanto eu estiver fora. Um lobo assustador vai passar por aqui, mas faça o que fizer, você não tem permissão para abrir a porta. Ok? "

"Não me subestime", Shion disse calmamente.

A expressão de Nezumi endureceu. Ele virou um pouco o rosto para trás, e franziu testa.

"O que você acabou de dizer?"

"Eu disse, não me subestime tanto."

"Você está ofendido porque eu te chamei de cordeirinho? Então é porque eu não posso lhe dar o papel da Chapeuzinho Vermelho? A bonita e inocente Chapeuzinho Vermelho. Alheia às dúvidas e ao cuidado, ela acaba sendo comida pelo lobo. Um papel perfeito para você. "

Eu não vou ser provocado. Você pode me condescender tudo o que você gosta. Mas tenho algo que preciso te dizer.

"Às vezes há coisas que eu posso ver e que você não pode."

"Eu não entendo o que você está dizendo", Nezumi disse sem rodeios. "Oh, espere, supõe-se ser a sua frase habitual, certo?"

"Você coloca tudo em dicotomias", Shion continuou, ignorando o comentário de Nezumi. "Você ama ou você odeia. Você é amigo ou inimigo. Fora da parede, ou dentro da parede. E você sempre diz que só se pode escolher um deles."

"É claro. Se eu estivesse na bifurcação da estrada perdendo tempo tentando decidir o que fazer, eu murcharia. Isso é o que covardes e traidores fazem. Você não pode fugir para sempre. Algum dia você vai ter de escolher um ou outro."

"Você não acha que poderia haver uma terceira via?"

"Terceira via?"

"Sim".

"Shion, o que você está dizendo é incompreensível", Nezumi disse irritado. "Que 'terceira via'?"

"Ao invés de destruir Nº 6, e se você a fizesse desaparecer? Você já pensou sobre isso?"

Nezumi colocou a mão em sua bochecha, e respirou fundo. Ele estava tentando não mostrar seu rosto, mas Shion podia dizer que ele estava agitado. Shion deu um passo adiante.

"Derrube as paredes. Livre-se delas."

"Você quer dizer as barreiras de Nº 6?"

"Sim. Sem suas paredes, Nº 6 em si não irá mais existir. Todo mundo poderá ir e vir livremente. Tire os muros e portões. Então não haverá nada dividindo Nº 6 e os Blocos um do outro, e..."

Nezumi se estourou em risadas. Ele se inclinou, segurando o estômago. Seu riso oco ecoou na sala do porão. Os ratos se amontoaram com medo e se enrolaram em bolas, tornando-os menores ainda.

"Isso tem tanta graça assim para você?" Shion disse tenso.

"É hilário. Isso é tão engraçado, que está me fazendo lacrimejar. Você não é apenas um pouco cabeça de vento, não é? Você também tem tendências ilusórias? Qual terceiro caminho, hein? São apenas palavras bonitas, um conto de fadas irreal."

"Nezumi, eu estava falando sério quando eu disse..."

"Não quero ouvir nada disso." Não havia resquícios de sorriso deixados em seu rosto quando Nezumi disse essas palavras. "Ainda não podemos fazer esse lugar desaparecer tão facilmente. Temos que deixá-lo continuar do jeito que está, deixe-o se vestir e encher a barriga com boa comida, deixe-o crescer gordo. Posso apenas imaginar o quão grande que deve sentir para cortar a barriga aberta com um golpe. Vou tirar todas as suas entranhas empanturradas e expô-la à luz. Eu não posso esperar. Sim, a primavera vai ser grande. Estou bastante animado."

Shion ergueu o queixo, e apertou as mãos em punhos em seus lados.

"Eu não me importo se você rir de mim, eu ainda acho que pode ser feito", disse ele em um tom desafiador. "Eu quero acreditar que é possível."

"Você está apenas procurando por uma rota de fuga", Nezumi atirou de volta. "Você está procurando uma maneira para evitar se machucar. Diga o que vai acontecer se você se livrar dos muros: você não vai obter algum tipo de céu. Vai ser um inferno. Tumulto, desordem, brigas, saques... você não sabe o quanto essas pessoas têm sido oprimidas até agora. Você não sabe quantas pessoas foram sacrificadas para que essa cidade estivesse onde ela está. Você não sabe, e é por isso que você pode inventar contos de fadas como esse. Shion, não pode ser feito. Não é como uma mistura de tintas, você não pode misturá-los e fazer-lhes um. Um vai ter que destruir o outro, essa é a única solução. Isso foi o que o destino definiu. Amor e ódio, amigos e inimigos, aqueles dentro e aqueles fora da parede... e você e eu. Eles nunca poderão ser como um, e nós também não."

"Você não sabe até tentar. De uma coisa..."

"De uma coisa?"

"...Eu sei, que não me tornarei seu inimigo. Nunca. Aconteça o que acontecer, mesmo se eu fosse morto, eu estaria do seu lado."

"Apenas palavras bonitas."

"É a minha decisão."

Era a sua vontade, e era inabalável. Para saber, você tinha de experimentar primeiro. Ele acreditava que as almas humanas, quando confrontadas com um dilema, acabariam por escolher a paz antes da guerra, canções e escrituras antes das armas e o amor antes do ódio. Não era uma fantasia. Era esperança. Ainda não abandonei a esperança. Eu quero encontrar uma estrada que você não pode ver, e apontá-la para você.

Nezumi desviou o olhar. Ele chutou a perna da cadeira, com a ponta do sapato.

"Fico fora do sério às vezes quando eu estou com você. Sua cabeça está cheia de teorias ingênuas e idealistas, e você fala como se fosse realmente sério."

"Você não me ouviria se eu não estivesse falando sério."

"Já basta", disse Nezumi secamente. "Cale-se". Ele começou a colocar de volta no lugar a cadeira que tinha chutado antes, e bateu levemente na almofada desbotada da poltrona. "Um teórico idealista de poltrona como você deveria ficar somente aqui o dia inteiro. Ignorar o mundo lá fora, e meditar sobre isto e aquilo tudo dentro da sua cabeça. Não fale mais comigo. Não me faça ficar mais irritado do que isso."

"Nezumi" Começou Shion.

"Eu não quero ouvir isso. Ouvir você me deixa doente. Doente e cansado. Droga, se eu soubesse que você era tão tagarela, eu nunca teria te trazido aqui em primeiro lugar."

"Eu não sou um tagarela. Eu na verdade nem gosto de falar muito com as pessoas".

"Então, mais uma razão para você calar a boca."

Mas eu não posso somente calar a boca. Eu não posso sentar aqui, me fechar em meu próprio mundo e me isolar do mundo exterior. Eu tenho que falar com você, ouvir a sua história, e buscar uma maneira para que possamos continuar vivendo juntos.

Eu não quero mais viver assim ― tapando meus ouvidos, mantendo minha boca fechada, fechando meus olhos. Nezumi, foi você quem fez me sentir assim. Coloque suas mãos longe de seus ouvidos, você disse, abra a sua boca, e deixe os seus olhos verem. Essas foram as suas palavras. E agora você está me dizendo para calar a boca? Você está me dizendo que não quer ouvir?

"Quem é o covarde agora?" Ele resmungou em voz alta sem pensar. A expressão de Nezumi endureceu.

"O que você disse?"

Isto irá acabar em uma luta? O pensamento passou rapidamente em um canto da sua mente. Então ele decidiu que não se importaria. Se lutassem, Nezumi o levaria facilmente para o chão. De quatro anos atrás até agora, isso não havia mudado. Shion não tinha nenhuma chance contra ele. Mas não se tratava de ganhar ou perder.

Ele queria cobrar de Nezumi com seu próprio corpo, com sua própria carne. Ele não se importaria se ele fosse empurrado para o chão, perfurado, ou preso para que ele não conseguisse respirar. Mesmo por um momento, ele queria colidir com Nezumi como iguais.

Mas Nezumi desviou seu olhar novamente. Ele foi para a porta, sem sequer olhar para Shion. Mas antes que a mão de Nezumi se fechasse em torno da maçaneta, apareceu um som abafado de arranhões do lado de fora. Algo estava arranhando a porta. Um momento depois, houve um latido. Nezumi e Shion se entreolharam.

"Soa como um cão."

Nezumi abriu a porta. Um grande cão marrom escuro estava sentado na soleira da porta, abanando o rabo. Ele tinha um embrulho branco em sua boca.

"Você é de Inukashi... aconteceu alguma coisa?" Nezumi pegou o pacote da boca do cão. Era uma carta. Nezumi a leu e os cantos de sua boca se relaxaram.

"Shion, há uma solicitação de emprego para você."

Shion correu os olhos pela carta que foi passada para ele. Estava quase ilegível. O papel em si era amarelado, velho e molhado com saliva de cachorro, e a caligrafia serpenteava em todo o lugar. Mas emocionou o coração de Shion mais do que qualquer outra carta que havia recebido.

ei Shion, com vontade de trabalhar? é um emprego de lavagem de cães. eu preciso de ajuda. se você quiser fazer isso, siga esse garoto. enquanto ele estiver com você, os Faxineiros não vão fazer nada engraçado. nos vemos mais tarde

Oh PS:esse garoto disse que você foi feito para lavar cães

"O que é lavagem de cães?"

"É como se lê. Você lava cães... os que Inukashi empresta para o aquecimento. São os grandes e tranquilos com pêlo longo. Deve haver cerca de vinte deles ao todo. Inukashi tem clientes que às vezes não pagam porque eles se queixam de que os cães são malcheirosos ou têm pulgas, por isso uma vez por semana em um dia ensolarado, tem que levá-los para uma lavagem. Então o que você vai fazer?"

"Eu vou, é claro", Shion brilhava. "Ele está me perguntando se eu quero ir trabalhar. É o meu primeiro emprego. Eu tenho um emprego agora."

"Você quer parar de transbordar?" Nezumi disse com uma careta. "Cara, você é realmente fácil de agradar, não é?"

"Nezumi, devo levar alguma coisa comigo? Você acha que eu vou precisar de sabão?"

"Você provavelmente não vai precisar de nada. Só cuidado com homens e mulheres que podem te puxar para os becos, eu acho. Se esse cachorro estiver contigo, creio que você não precisa se preocupar. Eu vou com você até metade do caminho."

"Falando nisso, eu quero ver o lugar onde você trabalha um dia. E ver você no palco."

"Não tenha muitas esperanças."

O cão latiu.

"Obrigado", Shion disse à ele. "Graças a você, eu fui capaz de conseguir o meu primeiro emprego. Eu sou todo seu, me leve até lá."

O cão abanou a cauda quando Shion se agachou para ele, e lambeu-lhe a garganta.

"Você está lambendo minha ferida para mim? Você é um bom garoto."

"Imbecil, ele só te lambeu porque sentiu cheiro de sangue".

"Eu não penso assim. Ele fez isso porque estava preocupado comigo. Mas qualquer que seja o motivo, ele é certamente melhor que você", Shion disse ironicamente.

"Não me compare com um vira-lata", disse Nezumi duramente. Ele parecia genuinamente descontente. A maneira como ele franziu os lábios trouxe de volta uma imagem fugaz de seu rosto há quatro anos. De alguma forma isso fez Shion ter vontade de rir, e por alguma razão, o fez se sentir nostálgico.

"O que?" disse Nezumi. "Do que você está rindo"

"Nada", Shion disse suavemente. "Só percebi que ainda tem uma parte infantil restando em você. Isso me fez meio que feliz."

"Hein?"

"Não importa. Certo, então", ele disse rapidamente, "mostre o caminho." Ele acariciou o cão de leve na parte de trás. Pegando a deixa, o cão subiu as escadas. Shion o seguiu e saiu do porão.

O sol brilhava em seus olhos. Vejamos... Um dia como este seria perfeito para lavar cachorros. Ele inclinou o rosto para o céu e respirou profundamente.

Parecia que a figura de Shion estava sendo sugado para a luz. Quando Nezumi se arrastava para fora do buraco escuro a luz sempre esfaqueava seus olhos. Ele não gostava de locais iluminados. Lugares cheios de luz sempre se transformavam facilmente em áreas de perigo. Ele sabia disso muito bem por experiência. Ele não podia ser como Shion e aceitar plenamente a luz sem hesitação.

Amigos e inimigos. Fora da parede e dentro da parede. Amor e ódio. Luz e escuridão.

Eu te disse, não disse? Eles nunca poderão se coexistir. Eu já lhe disse tantas vezes, e você ainda parece não entender.

Ele engoliu um suspiro que estava a meio caminho de sua garganta. O nó se afundou profundamente em seu peito novamente.

Quando Nezumi estava prestes a fechar a porta, um rato apareceu em seu pé.

"Você está de volta." Ele o pegou na mão. O rato parecia exausto. Seus olhos cor de uva estavam embaçados.

"Você trabalhou duro. Descanse." O rato balançou a cabeça e cuspiu uma cápsula na palma de Nezumi. Havia um pedaço de papel azul claro dentro.

"Uma resposta, hein." Se fosse, Shion iria se alegrar. Hoje deve ser um dia de sorte para cartas.

Por um instante, uma escuridão cruzou seu coração. Uma coisa negra. Não tinha forma era só escuridão. Incerteza, um mau pressentimento. Uma dor incômoda pulsava na parte de trás de sua cabeça.

Sua habilidade de sentir o cheiro de perigo iminente ou da calamidade era algo que ele tinha desde o nascimento. Graças a esta habilidade, ele foi capaz de escapar várias vezes, em alguns casos por um triz. O conteúdo desta cápsula carregava um mau cheiro. Cheirava como o primeiro passo em direção a algo que iria levá-lo à destruição...

Abriu a cápsula. O papel estava escrito com o que parecia ser a escrita de Karan.

Safu foi pega pela Secretaria de Segurança. Ajuda. -K

A dor piorou. Nezumi apertou os olhos fechados, e se apoiou pesadamente contra a porta.

Safu era aquela garota. Porque ela ­― ela não era uma elite? Assim como Shion... assim como Shion... o que significa ― ela foi levada no lugar dele? O segundo bode expiatório? Mas ele não sabia por que razão. Porque eles precisam de um sacrifício? Shion foi enquadrado como um assassino para encobrir o que a vespa parasita fez. Eles só deveriam precisar de um agressor. Então, por que ­― por que as autoridades querem outro sacrifício? Por que...

De qualquer maneira, se essa menina é o segundo sacrifício, ela não foi levada para a Secretaria de Segurança. Ela está indo para a Unidade Correcional. Um rato leva metade de um dia para voltar da Nº 6. Não há mais tempo. Ela provavelmente já foi presa na Unidade Correcional.

Por que eles estavam eliminando tão facilmente uma estudante da Classe Privilegiada que haviam avaliado, selecionado cuidadosamente, e que gastaram fundos consideráveis ​​e tempo para sustentar?

Por quê? Por que ― o que estava acontecendo? O que eles estão escondendo? O que está para acontecer?

Nezumi se levantou lentamente.

Ele não sabia. Era um mistério. Mas agora não era o momento de resolver enigmas. Ele tinha uma decisão importante a tomar.

O que fazer com isso?

Se ele mostrasse esta nota para Shion, ele provavelmente iria direto para a Unidade Correcional, mesmo sem saber que tipo de lugar que era. Ele iria, com a única intenção de resgatar Safu. Um tolo menino como ele nunca seria capaz de deixar a morte de um amigo ser ignorada. Se ele pudesse impedir, seria motivo suficiente para ele mergulhar de cabeça em um ninho de cobras venenosas. Ele estaria disposto a embarcar para a sua própria morte.

Ou eu ignoro isso?

Era muito fácil de fazer. Esta menina, Safu, não tinha nada a ver com Nezumi. Ela era uma estranha. Não era da sua conta o que deveria acontecer com ela. Ele poderia deixar as coisas acontecerem, e não teria importância. Nada mudaria.

Mas se Shion morresse, algo dentro dele iria mudar muito. Ele não queria ver Shion morrer. Ele provavelmente iria sofrer. Não Shion, mas ele Nezumi ia sofrer, de ter que viver e estar diante do cadáver de Shion. Ele estaria experimentando o mesmo sofrimento de novo, de ser assado vivo no inferno.

Você deve estar brincando comigo. Eu já tive o suficiente disso.

Ele não queria perdê-lo. Ele não queria experimentar o remorso de ter sido o único que viveu.

Eu não quero perdê-lo? Eu iria sofrer?

Ele estava estalando a língua de frustração.

Então foi neste ponto em que ele havia chegado. Ele quase se sentiu como se estivesse se enrolando no chão.

Ele havia resgatado Shion da Secretaria de Segurança para pagar a dívida que ele lhe devia. E era só isso. Ele nunca quis ter uma ligação com ele. Shion não era o único, ele apenas nunca quis se unir ou compartilhar seu coração com qualquer outra pessoa. Sentimentos por outros eram ainda mais perigosos que a luz. Ele não era de compartilhar uma conexão com alguém. Quer seja com um homem ou uma mulher, ele deveria apenas desenvolver relações que poderiam ser cortadas facilmente.

Nunca abra o seu coração para ninguém. Não acredite em ninguém, mas em si mesmo.

As últimas palavras da velha. Ele estava indo contra elas novamente.

Eu não quero perdê-lo. Eu iria sofrer.

Nezumi cuidadosamente dobrou novamente a nota de Karan e a enfiou dentro da cápsula.

Ele estava acostumado à perda, ele estava acostumado ao sofrimento. Não era? Mesmo se Shion morresse, talvez ele não gemesse em agonia sobre sua perda escancarada. Mesmo se fizesse, talvez fosse apenas por um curto tempo.

Ele poderia usar sua cama e seu chuveiro livremente. Não teria que se preocupar em fazer sopa suficiente. Não seria bombardeado incessantemente com perguntas. Não teria que abaixar um livro para escutar outras palavras, e dar uma resposta ao tentar conter sua irritação.

Ele iria voltar à sua vida normal. E seria isso. Ele deveria apenas passar a cápsula com a nota e tudo para Shion, e depois virar as costas para ele.

Por um capricho, Nezumi abriu a porta novamente.

À frente dele estava seu quarto, cheio de livros e móveis escassos. O porão, rodeado por paredes grossas, era um ninho adequado para um rato como ele.

O quarto parecia estéril e escuro, e maior que o habitual. Seu espaço escuro, frio e vazio penetrou em seus ossos.

Isso era o que estar ligado com alguém significava. Ele não seria mais capaz de viver sozinho. Era uma das muitas armadilhas artisticamente definidas que espreitavam em cada esquina de sua vida. E para esta, ele havia sido vítima.

Será que eu ainda tenho uma chance?

"Nezumi, o que há de errado?" Shion chamou a partir do topo da escada, que levava à entrada ao nível do solo. "O cão está me apressando. Apresse-se e suba logo." Sua figura sombria flutuou contra o brilho do meio-dia.

Será que eu ainda tenho uma chance? Shion, ainda serei capaz de viver sem você? Depois de uma certa quantidade de sofrimento, eu seria capaz de me separar da armadilha que você se tornou?

Eu seria capaz de me separar de você?

"Nezumi?" A voz de cima caiu apreensiva.

"Nada... estou indo." Ele fechou a porta e ouviu o cachorro latir. Havia luz. O farfalhar de uma brisa.

Nezumi enrolou o pano de super fibra ao redor de seu pescoço novamente, e subiu as escadas, passo a passo. Ele seguiu ascendente ao chão.

Leia o volume 3 - capítulo 1

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sábado, 1 de dezembro de 2012

[Novel] No. 6 Volume 2 Capítulo 4

Oi, eu sou Goku Aki. Alguém ainda se lembra de mim? Faz muito tempo… Eu acho que perdi leitores por essa demora toda. Mas de qualquer forma, escutem leiam os meus planos para o futuro.

No site da tradução para inglês, o 9th ave, sempre havia um post todo final de semana. E quando o capítulo era muito gande, era dividido em duas partes. Bem, também tenho a intenção de fazer isso. Estarei postando aqui um capítulo todo sábado, no mais tardar domingo, e no mais tardar ainda na segunda. E se estiver muito grande e eu não conseguir terminar todo o capítulo será dividido em dois.

Só mais um detallhe: neste capítulo o nome de Nezumi estará muitas vezes se correspondendo ao seu significado. Por isso enquanto estiver lendo se lembre de que o nome de Nezumi significa rato, assim algumas partes irão fazer sentido.

Passe o mouse sobre as palavras e textos sublinhados para ver informação

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Capítulo 4: O Anjo do Inferno

Eu o amo, o amo. Ele é uma pedra em volta ao meu pescoço - ele vai me levar para o fundo junto com ele. Mas eu amo essa minha pedra - eu não posso viver sem isso.
-Chekhov "O Jardim das Cerejeiras" Ato III [1]

A menina chegou quando Karan estava prestes a fechar as cortinas da loja.

"Senhora, têm bolinhos sobrando?" Ela era uma criança adorável com um rosto redondo, provavelmente não tinha dez anos ainda.

"Estamos sem o de queijo, mas se você gosta de bolinho de passas, temos um sobrando."

"Vou querer esse, por favor."

"Tudo bem, Lili. Só um segundo." Karan pegou o bolinho que sobrara da bandeja, e o colocou em um saco com duas rosquinhas.

"As rosquinhas são uma coisinha extra."

"Obrigada, senhora." Lili deixou cair algumas moedas de cobre na mão de Karan. Ela provavelmente manteve firmemente em sua mão por todo o seu caminho até aqui, pois, embora não tivesse sangue percorrendo as moedas, elas tinham o calor de um corpo humano.

Lili espiou dentro do saco, e seu rosto brilhou enquanto observava que dentro havia duas rosquinhas inteiras.

"Você é um dos meus clientes regulares, afinal de contas, Lili. Da próxima vez, vou assar alguns bolinhos de queijo extra para você."

"Senhora, você não vai fechar esta loja, vai?" Lili levantou o rosto do saco, e questionou Karan com uma expressão sombria.

"Jamais. Por que você acha isso?"

"Mamãe disse que você poderia fechar sua loja. Mas estou feliz que não vai." Um sorriso de alívio se espalhou pelo rosto redondo. Karan agachou-se e colocou os braços ao redor da pequena cintura da menina.

"Obrigada por se preocupar comigo, Lili."

Seu corpo macio, sua presença quente ― ela era tão pequena, mas já dava a Karan o incentivo definitivo.

"Mamãe e papai estavam preocupados", disse Lili. "Eles estavam dizendo, 'o que acontecerá se não pudermos comer os pães ou os bolos da padaria de novo?'. Porque sabe, a loja de bolo de frente da estação é ruim, e cara, e desprezível", disse ela irritada.

"É?"

"Sim. Porque no outro dia, tinha um imenso bolo branco em exposição, e era como um castelo de brinquedo. E eu e Ei... Ah, você sabe quem é Ei?"

"Não, eu não."

"Ele é meu amigo. E é realmente bom em soprar bolhas. Então Ei e eu ficamos olhando juntos, porque era muito bonito."

"Então vocês dois estavam olhando para a vitrine?"

"Sim. E o velho da loja começou a gritar para nós. Ele disse, não toquem no vidro com as mãos sujas. Nós estávamos só olhando. Nós nem mesmo estávamos tocando no vidro", Lili disse indignada.

"Isso é terrível."

"Então Ei gritou de volta, e disse: 'seu velho mesquinho estúpido!" e então eu gritei para ele também, e disse: 'seu velho careca estúpido!'. E então nós dois fugimos."

Karan se viu caindo na gargalhada. Havia um tempo desde que ela tinha gargalhado. Ela beijou Lili na bochecha.

"Eu não posso fazer nada tão grande quanto um castelo, mas para o seu aniversário, Lili, eu vou assar um ótimo bolo todo branco para você."

"Sério?"

"Sério. Certifique-se de compartilhar com Ei, também."

"Obrigada, senhora", disse Lili feliz. "Eu gosto de bolo de cereja".

Bolo de Cereja – Shion também gostava.

Lili acenou com a mão, e saiu da loja. Karan a viu recuar para trás até que derreteu no crepúsculo, depois baixou as cortinas. Ela afundou-se numa cadeira.

Depois de Shion tê-la deixado, ela achava difícil suportar quando a noite se fixava em cada dia. A noite a prendia na profunda decepção de que um dia havia passado sem Shion voltar para casa. O sentimento transformado em exaustão pesada fazia parecer problemático erguer um único dedo.

"Shion..."

Às vezes um murmúrio, às vezes mudo, às vezes como se em uma conversa, às vezes chegando perto de gritar, ela se perguntou quantas vezes chamara o nome de seu filho a cada dia.

Quando soube que a Secretaria de Segurança tinha tomado Shion em custódia sob a acusação de perturbação da ordem pública e assassinato, ela pensou que iria enlouquecer.

"Por favor, esteja ciente de que você nunca se encontrará com o suspeito novamente."

A noite em que ela havia recebido a notícia por um funcionário da Secretaria de Segurança, Karan teve uma premonição de que seu filho iria morrer. Certamente ela sabia mais do que ninguém que Shion nunca iria participar de um assassinato. Mas os sentimentos de desespero de uma mãe nunca iriam passar para a Secretaria – ela sabia disso muito bem. Na Nº 6, onde a taxa de criminalidade era quase zero por cento, não havia nenhum sistema judicial. Simplesmente sendo preso e levado sob custódia pela Secretaria de Segurança confirmava o estatuto culpado do suspeito. Declarar-se culpado ou não culpado não era permitido, nem levantar uma objeção formal.

Ele já foi preso na Instituição Correcional. Logo, como um VC de primeira classe, ele iria ser condenado por toda a vida, ou, em lei especial, ser condenado à pena de morte. As palavras oficiais da Secretaria de Segurança não eram nem exageradas nem retorcidas de alguma maneira – elas eram a pura verdade. Sempre foram. A próxima vez em que esse uniforme iria aparecer em sua porta seria quando a sentença fosse proferida a seu filho. Neste momento, Karan experimentou por si mesma como o desespero parecia. Todos os sons desapareceram em torno dela, e todas as cores desbotaram. Ela não podia sentir o cheiro nem nada. A escuridão era a única coisa que ela podia ver à sua frente. Era uma escuridão negra que nunca veria a luz do amanhecer. Era isto o que as pessoas chamavam de desespero?

Eu perdi tudo.

De repente, o rosto de um homem cruzou sua mente. Se eu pedir-lhe ajuda, algo poderia ser feito? Mas a fresta de luz que havia brilhado em seu coração logo piscou e desapareceu. Não... não há tempo. Ela nem sabia onde o homem estava agora. Ela não tinha tempo para procurá-lo e implorar pela vida de seu filho.

De repente, tomada de náuseas, Karan vomitou todo o conteúdo de seu estômago. Ela se rompeu em um suor e meio que se arrastou até o armazém, e caiu na cama de Shion. A maioria dos pertences de Shion havia sido confiscada como prova pela Secretaria de Segurança. Só posso morrer também, em um canto do armazém. Eu vou fechar meus olhos, e ir de encontro a ele.

Ao invés de viver esta vida brutal, eu posso escolher a paz da morte que virá após um curto sofrimento. Eu não sou forte o suficiente para continuar a viver sozinha na escuridão.

"Cheep-cheep!"

Ela pensou ter ouvido algo chiar em seu ouvido. Provavelmente era apenas sua imaginação. Pode não ser a minha imaginação. Mas não importa, eu já estou...

Algo mordeu o lóbulo de sua orelha. Uma dor surda correu por ela. Ela levantou o torso. Um pequeno rato correu para um canto da sala de armazenamento.

O que um rato está fazendo aqui?

Ela engoliu em seco. Tocou o lóbulo da orelha, um pouco de sangue saiu em seu dedo. A Cidade Perdida poderia ser na parte mais antiga da cidade, mas ainda assim eram raros os animais, com exceção dos animais de estimação, estarem correndo por ali. Ainda mais os ratos...

"Nezumi." Seu coração bateu forte.

Nezumi. Shion não murmurou aquela palavra mais de uma vez? Enquanto estava bebendo chocolate-quente, enquanto olhava para as árvores balançando com o vento, enquanto observava o céu à noite, ele havia murmurado essa palavra. Desde aquele dia, quando haviam sido expulsos de Chronos e se mudado para a Cidade Perdida por causa daquele incidente, era o dia em que Shion foi submetido a uma investigação e recebeu um aviso severo por ajudar um VC, considerado um criminoso violento na Nº 6. Ocultar e auxiliar na fuga de um VC normalmente é classificado como um crime grave, mas com relação à sua tenra idade de 12 e seu estado emocional, ele havia sido expulso com apenas a remoção de seus privilégios especiais.

Karan, por algum motivo, não tinha um grande apego a Chronos, nem achava a sua vida na Cidade Perdida dura. Embora os outros possam ter repreendido as ações de Shion como falta de senso comum, ela foi capaz de acreditar que havia algo nos sentimentos de Shion e crenças que o levaram a fazer o que fez. Apesar de a cidade ter dado-lhe tratamento preferencial como uma criança superdotada por causa de seu nível de inteligência, talvez tivesse começado a perceber que algum lugar dentro de seu filho escolheria a emoção acima do conhecimento, e escolheria um futuro que ele pudesse criar com sua própria vontade acima de um futuro que já estava prometido a ele. Foi por isso que ela escolheu não questioná-lo muito sobre esse incidente. Mas ela lhe perguntou uma vez sobre Nezumi.

"Então o que é esse Nezumi? Quem é ele?"

"Hum?"

"É o nome de alguém, não é?" Pensou isso por causa do jeito carinhoso que seu filho dizia aquela palavra. Nostalgicamente, amorosamente, às vezes tenso... até mesmo carregado de um tom de saudade. Ele definitivamente não usaria esse tom de voz para chamar um rato normal.

"Você teve seu coração quebrado por essa pessoa?"

"Nunca. O que você está dizendo, mamãe?"

"Bem, parecia isso."

"Não, não é assim. Você entendeu tudo errado."

Foi então que Shion se tornou extraordinariamente agitado, tingiu-se de vermelho, e fazia coisas como deixar cair a colher. Sim, lembrou-se agora. Nezumi...

Ela se levantou. Seu batimento cardíaco voltou ao normal, e seu corpo sentia mais leve. A esperança, embora ela não sabia por quê, cintilou dentro dela. Ela conseguia respirar, e a força de vontade para seguir em frente reavivou dentro dela novamente.

Um pequeno rato estava enrolado ao lado de uma caixa de farinha. Fez contato visual com Karan, e virou seu rosto em torno de um amplo círculo. Ele cuspiu uma cápsula fora de sua boca. Em seguida, desapareceu no fundo da sala de armazenamento. Havia uma nota dentro da cápsula.

Shion está seguro, não se preocupe. Escapou para o Bloco Oeste. Cuidado com a vigilância da Secretaria. Respostas por este rato. Marrom traz noticias de segurança, preto traz noticias de mudanças ou ocorrências anormais. –Nezumi

A luz que cintilara nela tornou-se uma chama acesa. Ela apertou a mão firmemente sobre a boca. Sentiu que iria chorar de alegria, se já não tivesse.

Ele está vivo. Meu filho está vivo. Eu poderei vê-lo novamente.

Karan respirou, e furtivamente olhou em volta.

Se a nota era verdadeira, e Shion havia escapado vivo para o Bloco Ocidental, então esta casa, provavelmente, estava sob vigilância pesada da Secretaria. Câmeras em orifícios. Escutas de áudio. Escutas com sinal sem fio. Ela não poderia agir de forma imprudente.

Ela se moveu mais para dentro no armazém. Ao lado de uma lata de geleia, ela rabiscou em um pedaço de papel enrolado. A palavra 'Bloco Ocidental' lhe trouxe à mente uma figura nebulosa. Qual era o seu nome? Ele trabalhou para o Folheto Latch... Ele era uma boa pessoa. Ela lembrou muito dele. Talvez ele pudesse... mas...

Tinha uma quantidade infinita de coisas que ela queria dizer a Shion.

Shion, permaneça vivo. Não importa o que você fizer, permaneça vivo. Sua mãe está bem. Enquanto você estiver vivo, vou ficar bem. Então, por favor, não morra.

Mas seria de nenhuma utilidade derramar seu coração agora.

"Cheep cheep!"

O pequeno rato apareceu a seus pés. Ele contraiu os bigodes como se a apressá-la. Ela não podia ficar em um local como este por muito tempo, especialmente porque ela não sabia onde as câmeras de vigilância estavam localizadas. Ela escreveu às pressas, enrolou o papel, e jogou-o no chão. Em um instante, o pequeno rato pegou em sua boca e desapareceu.

Se eu segui-lo, ele vai me levar até o Shion?

Foi um pensamento fugaz. Ela afastou isso de sua mente, e deu um passo adiante.

Vou esperar aqui, até que meu filho volte para mim. Eu vou ficar aqui, e esperar. É uma coisa fácil de fazer. Ele está vivo, e ele está no Bloco Ocidental. Se ele estiver vivo, eu posso esperar. A esperança não foi tirada de mim. Eu não perdi ainda.

Eu não perdi? Com quem eu estou lutando, afinal?

Karan sorriu levemente para si mesma, levantou o rosto, e saiu do armazém.

Fazia quase um mês desde então. Só uma vez, um pequeno rato apareceu. Era marrom, o que significava que Shion ainda estava seguro. Ela sentiu-se aliviada, mas ao mesmo tempo, angustiada. Da próxima vez, um rato preto poderia aparecer. Não havia nada que garantia a segurança de Shion.

Ela queria vê-lo novamente. Ultimamente, havia tido sonhos frequentes. Neles, Shion ainda era jovem, e ela ficava com medo se ele não estava segurando a mão dela. Eu não vou soltar essa mão. Mas não importa quão forte ela pensava assim, a mão do menino sempre escapava da dela quando ele começava a correr à sua frente.

"Shion, espere."

Não vá lá. É perigoso por lá, há um perigo horrível...

"Shion!"

Ela acordava com seu próprio grito. Estes tipos de manhã foram contínuas durante algum tempo. Ela gemia muitas vezes com tonturas, falta de ar e dores de cabeça. Mas ainda continuava a cozer, e continuava a abrir sua loja para pessoas como Lili.

Mesmo após a notícia da prisão de Shion ter sido transmitida, as atitudes das pessoas ao seu redor não haviam mudado.

O operário de fábrica que sempre parava por lá em seu caminho do trabalho para comprar pão de passas e um sanduíche para o almoço... O estudante universitário que vinha uma vez por semana para comprar um bolo de noz... A dona-de-casa que vinha a cada manhã para comprar um pouco de pão recém-assado... Todos se alegraram por Karan estar continuando o seu negócio.

"Sempre que eu como seus bolos, Senhora, me enche de um sentimento feliz. Eu não sei por que, mas isso só me faz sentir feliz."

"Não ser capaz de comer o seu pão irá tirar toda a diversão do meu dia. É uma das coisas que eu sempre espero, por isso não tire isso de mim, Karan-san."

"Você é uma padeira, não é? É o seu trabalho cozinhar, não importa o que aconteça. Estamos todos esperando, você sabe. Todas as manhãs, todos nós esperamos o aroma do pão no forno flutuar nas ruas."

Estas e tantas outras palavras incontáveis ​​apoiaram-na. Embora elas ainda estivessem longe de serem fortes, as palavras dos outros faziam sua alma se acalmar quando ameaçava entrar em colapso por causa da angústia de não ser capaz de confirmar o bem-estar de seu filho.

Ela havia tomado emprestado seus ombros para ficar de pé, apertar os dentes, e continuar a fazer pães e bolos.

Mas as noites ainda eram insuportáveis. Se as pessoas que passavam em sua loja a caminho de casa eram jovens, era muito mais insuportável. Fazia querer derramar seu coração.

Ela afundou-se numa cadeira e cobriu o rosto com as mãos.

"Cheep-cheep!"

Ela ergueu o rosto. Sob a vitrine de vidro, um pequeno rato estava mexendo a ponta do seu nariz. Era marrom.

"Você veio."

O rato olhou em volta, em seguida, cuspiu uma cápsula de sua boca. Ela sabia instintivamente o que estaria dentro da cápsula transparente.

Mãe me desculpe. Bem e vivo.

A escrita era ligeiramente inclinada e distintiva em grande estilo. Não era nada menos do que a mão de Shion.

Mãe. As palavras tornaram-se sua voz ecoando em seus ouvidos. Agora mesmo, neste momento, seu filho vivia. Ele estava vivo quando escreveu estas palavras à sua mãe. Ele havia escrito sobre este pequeno pedaço de papel, uma mensagem com apenas algumas palavras. Mas foi o suficiente para fazer Karan chorar, não conseguia parar as lágrimas que escorriam pelo seu rosto. Ela traçou as palavras repetidas vezes com os dedos.

Shion estava, provavelmente, em uma situação terrível. Ele poderia muito bem estar sofrendo na incerteza. Mas não estava em desânimo total. Sua apertada, mas energética escrita expressou isso.

Mãe, eu estou bem. Eu não estou infeliz. Eu realmente não me desesperei.

Karan enxugou as lágrimas no avental. Ela prometeu ser sua última. A próxima vez que ela iria chorar seria quando ela estivesse segurando Shion novamente em seus braços. Até aquele dia, ela não choraria mais. Desespero não mais. Eu vou fazer pão todos os dias, vendê-los, gerir o meu dinheiro, limpar minha loja, colocar fora algumas flores, e continuar vivendo. Vou fazer o meu trabalho.

"A partir de amanhã, farei mais alguns tipos de bolinhos. Eu sei, eu vou fazer disso um dia especial para crianças."

Karan acenou para suas próprias palavras, e aproximou-se do pote de vidro para tirar um rolo salgado redondo. O pão, que foi polvilhado com queijo em pó, ainda estava perfumado e saboroso, mesmo depois de ter ficado frio. Com o seu preço acessível para vender, era uma escolha popular em sua padaria. Este foi o último que ela já havia feito hoje.

"Obrigada. Muito obrigada, Sr. Nezumi." Ela tirou um pedaço e jogou-o na frente do ratinho. O rato marrom escuro olhou cautelosamente para o pão um pouco, cheirou-o, e começou a mordiscá-lo com cautela.

"O seu dono é o Nezumi? Você vai dizer-lhe que estou muito, muito grata? E, por favor, diga-lhe para vir um dia para comer um pouco. Eu vou oferecer-lhe tanto pão quanto ele puder comer. E bastante pão para você também, é claro."

Escutou batidas na porta. Não era um som ruim, ao contrário, era tranquilo, quase hesitante. Mas o coração de Karan encolheu com medo.

Ah, não. Havia a possibilidade de que esta casa agora fosse parte da rede de vigilância da Secretaria. Ela estava tão preocupada com a nota de Shion que havia se esquecido completamente disso.

É a Secretaria de Segurança? Será que eles vieram para recolher essa carta...?

Não havia sistema de segurança completo aqui como em Chronos. Não havia alarme de segurança ou câmera, nem uma tranca automática com um sensor de reconhecimento embutido. Havia apenas uma porta com um vidro fino, cortinas que a cobriam, e uma tranca manual desatualizada. Um homem forte seria capaz de forçar o caminho facilmente.

Karan amassou a nota em uma bola na mão. Se o pior veio a piorar, ela estava preparada para aguentar. A batida continuou. Ela levantou-se lentamente e apertou sua mão em um punho fechado.

"Desculpe-me." Era a voz de uma mulher jovem. "Desculpe-me... tem alguém em casa?"

A voz sumiu debilmente. Por um instante, o rosto da estudante universitária que gostava de bolo de noz subiu-lhe à mente. Mas não era ela. Karan apertou o botão para abrir as cortinas.

Além dos vidros da porta estava uma menina magra. Ela usava um casaco cinza no comprimento da coxa que parecia derreter no crepúsculo. Karan lembrou-se do rosto que olhou para cima e sorriu para ela.

"Ora, é Safu." Karan apressadamente abriu a porta. A menina entrou na loja junto com a brisa da noite, e comentou sobre o aroma saboroso. Em seguida, ela abaixou a cabeça.

"Madame, tem sido um longo tempo."

"Tem. Quantos anos faz agora? Você cresceu tão bonita. Fiquei muito surpresa."

"Eu costumava ser muito confundida com um garoto", Safu sorriu, mostrando covinhas em ambas as faces. Seu sorriso era o mesmo de antes. Como Shion, ela foi colocada no topo do ranking por sua inteligência nos exames de crianças da cidade. Ela estava estudando com ele, como uma colega de classe na turma privilegiada até a idade de 12 anos. Karan se lembrou de ter ouvido que Safu havia perdido seus pais em uma idade jovem, e estava morando com a avó.

Depois que Karan e Shion haviam sido banidos de Chronos, Safu foi a colega que continuou a tratar Shion como ela tratava antes. Ela também havia vindo a esta loja uma vez. Dessa vez, seu rosto ainda abrigava um pouco de sua inocência juvenil.

Mas Safu agora, que havia desenrolado seu lenço rosa claro, tinha a pele sedosa e uma boca suave. Mostrava os indícios da mulher bonita que ela acabou por se tornar.

"Mas você não tinha feito intercâmbio para outra cidade? Eu me lembro de ter ouvido algo assim de Shion", disse Karan.

"Eu voltei. Minha avó faleceu. Recebi a notícia não muito tempo depois que eu cheguei lá, então eu peguei as malas e voltei logo."

"Sua avó? Ah, querida..."

Esta menina perdeu o último de seus parentes de sangue.

"Safu... Eu não sei o que dizer. Eu sinto muito."

Esta menina também havia experimentado o mesmo desespero. Havia experimentado a solidão de estar sozinha em uma interminável escuridão. E ela era tão jovem.

"Existe alguma coisa que eu posso fazer? Safu, há alguma maneira em que eu possa ajudar?"

"Sim." Safu ficou na frente de Karan, e a olhou diretamente nos olhos, não o fez com pesar. Ela não estava angustiada, ou gasta em exaustão. Tinha um olhar flexível e desafiador, o tipo de olhos que só se podia ter em sua infância.

"Eu vim aqui porque eu tenho um favor a pedir-lhe, Senhora".

"O que é?"

"Por favor, me diga onde Shion está."

Karan respirou e olhou de volta para os olhos de Safu.

"Por favor, me diga," Safu persistiu. "Ele está vivo, não está? Não está preso na Instituição Correcional. Ele está vivo, onde ele está?"

Seu tom de voz estava ansiosa por uma resposta. Karan cerrou o punho mais forte em torno do pequeno pedaço de papel amassado.

"Safu, você sabe sobre Shion, então?"

"Eu só sei o que foi transmitido pela Secretaria. O que significa que eu não sei de nada. É tudo mentira, não é?"

"Safu."

"O que eles disseram sobre Shion planejar um assassinato indiscriminado cegado pelo ódio, é uma enorme mentira. Shion não estava cego, e ele não abrigava nenhum rancor em relação a ninguém."

Karan puxou a menina pela mão e levou-a para a sala de armazenamento.

"Parece que esta sala não tem câmeras de vigilância ou dispositivos de gravação. Embora eu não tenha certeza de quão seguro é..."

Os olhos de Safu brilharam.

"Se você está sendo espionada, isso significa que Shion não foi capturado, certo? Ele escapou para algum lugar, não foi? Ele conseguiu escapar com segurança, e ele ainda está lá fora vivo... Senhora, você está certa disso, não é?"

"Por que você diz isso?"

"Porque você está tão calma em relação a isso... Apenas uma olhada em você, e eu poderia dizer. Você parecia magra e cansada, mas você não tinha desistido completamente. Não era o rosto de uma mãe que perdeu seu filho."

"Estou encantada, Safu. Você seria uma excelente detetive."

"Senhora, Shion está vivo, não está? Ele está bem, certo?"

Karan continuou a prender o olhar de Safu com os lábios firmemente fechados.

Havia uma possibilidade de que Safu fora solicitada pela Secretaria de vir aqui para descobrir o paradeiro de Shion? Karan pensou por um momento. A resposta foi não. Se a Secretaria realmente tivesse essa intenção, não havia necessidade de utilizar Safu. Seria fácil o bastante extrair informações de Karan utilizando um soro da verdade.

A Secretaria realmente perseguia seu filho a sério?

O pensamento de repente passou por sua mente. Todo esse tempo ela havia sido muito influenciada pela exaustão emocional e pela confusão que sequer pensou nisso, mas se a Secretaria realmente o perseguia com todo o empenho, um jovem rapaz como ele não seria difícil de colocar na prisão. Mesmo se Shion tivesse jogado seu cartão de identificação fora, os satélites de rastreamento seriam capazes de confirmar a sua localização. Enquanto ele não permanecesse eternamente no subsolo, era quase impossível escapar dos satélites altamente refinados de rastreamento.

"Senhora".

As mãos de Safu agarraram o braço de Karan.

"Shion está fora da Nº 6, não é?"

"Sim".

"Eu sabia... mas é a única possibilidade, não é? Dentro da cidade, a vigilância seria pesada por toda parte. Seria impossível se esconder..."

"Safu, qual é a resolução da imagem de satélites de rastreamento hoje em dia?"

"Os mais novos seriam de menos de cinquenta centímetros. Eu ouvi que é possível utilizar o zoom agora enviando comandos a partir do solo. O que significa que é possível obter uma imagem de uma pessoa no nível do solo com clareza."

A menina perspicaz tinha adivinhado o pensamento de Karan. Safu suspirou, e continuou falando.

"Se eles colocassem os dados de Shion no sistema, os satélites começariam a rastreá-lo automaticamente. Se ele está acima do solo, seria impossível para ele não ser encontrado."

"Então eu me pergunto se ele está no subsolo. Ou..."

Ou será que a sua aparência mudou muito em consideração aos dados gravados – seria mesmo possível?

"Senhora... Eu acho que enquanto Shion estiver fora da cidade, ele estará seguro."

"Seguro?" Karan repetiu as palavras de Safu em questão. Ela não entendia o que Safu queria dizer.

"Eu não posso dizer ao certo. É só um palpite que eu tenho... nunca nos ensinaram a colocar as coisas como sentimentos e palpites em palavras. Mas após passar um tempo fora da cidade, eu cheguei a sentir alguma coisa..."

As palavras de Safu tornaram-se estranhas e tropeças. Ela estava desesperadamente à procura de palavras que não descreviam uma teoria, mas algo que residia dentro de si.

"Ah... Eu sinto que esta cidade é bem fechada... Como se retraísse completamente em si, dissolvesse tudo em si... e que não lhe interessa nada fora dela."

"E você está falando sobre esta cidade, aqui."

"Sim. É o que eu sinto. Então, se Shion está fora da cidade, eu acho que a Secretaria o deixará sozinho, não importa se ele é o suspeito de um crime grave. Porém, se ele voltar para a cidade provavelmente iriam prendê-lo imediatamente."

"Isso significaria que Shion nunca poderia voltar, certo?"

"Enquanto a cidade em si não sofre algum tipo de mudança, eu sinto que é assim que continuará a ser."

"Isso é uma coisa cruel de dizer, Safu."

Safu balançou a cabeça, e agarrou o braço de Karan novamente.

"Senhora, onde está Shion?"

"No Bloco Ocidental. Isso é tudo que eu sei."

"Bloco Ocidental... Então é isso?" Um suspiro escapou dos lábios de Safu. Por um instante, seu olhar vagou no ar, em seguida ela baixou a cabeça profundamente em direção a Karan.

"Obrigada. Fico feliz que eu pude ver você, Senhora".

Desta vez, Karan foi quem agarrou o braço do Safu.

"Espere", disse ela. "O que vai fazer agora que você já sabe do paradeiro Shion?"

"Eu vou vê-lo."

Karan estava em perda de palavras. Ela não podia deixar ir o braço que estava segurando. A menina magra de 16 anos de idade ficou em silêncio diante dela.

"Safu... o que você está dizendo? Sabe que tipo de lugar é o Bloco Ocidental?"

"Não. Eu só ouvi dizer que é um lugar terrível. Mas eu ainda vou."

"Mas... mas... você diz isso agora. Pode ser que seja possível sair da cidade, mas para voltar..."

"Não importa para mim", disse Safu determinada. "Mesmo se eu nunca puder voltar aqui novamente, eu não vou me arrepender. Se Shion está no Bloco Ocidental, é para onde eu vou."

"Safu."

"Eu quero vê-lo. Eu quero ver Shion." Os olhos de Safu encheram de lágrimas. Ela mordeu o lábio.

Ela é uma garota forte, pensou Karan. Nessa idade, ela já aprendeu a conter as lágrimas.

Karan estendeu a mão e abraçou a menina.

"Obrigada, Safu."

"Senhora..."

"Sabe, eu sempre pensei que estava sozinha. Eu pensei que tinha que carregar esse fardo sozinha... mas você está comigo. Você também tem um lugar em seu coração para Shion... Muito obrigada."

"Eu... eu o amo", Safu disse, sua voz tremendo. "Do fundo do meu coração, eu sempre, sempre, amei somente ele."

"Uhum", Karan murmurou em aprovação.

"Eu não quero perdê-lo. Eu quero estar ao lado dele."

"Eu sei". Ela acariciou as costas de Safu.

No passado distante, eu disse a mesma coisa uma vez. Eu conheci um homem que me preocupava mais do que ninguém, e eu nunca quis perdê-lo. Eu gostaria de poder estar ao lado dele para sempre.

Mas eles haviam se separado. A única coisa que ele deixou em suas mãos era seu bebê recém-nascido. "Shion" era um nome que o homem tinha dado a seu filho. Era seu último e único presente a ela.

"As mulheres podem continuar a viver sem um homem, sabe."

Isso saiu como um sussurro. Talvez Safu não a ouviu falar, pois levantou o rosto e piscou para ela como se estivesse em dúvida. Quando ela piscou, uma única lágrima transbordou e rolou pelo seu rosto suave.

"Safu, posso lhe pedir para acreditar nele?"

"Hum?"

"Acredite nele. Ele virá para casa um dia. De alguma forma, eu só sei que ele virá. Ele não é tão fraco quanto parece."

"Eu sei disso, muito bem."

"Então, por favor, espere por ele", Karan implorou. "Tenha paciência e veja como a situação se desenrola. Eu não acho que seria bom para nós agir precipitadamente."

Os ombros de Safu levantaram e caíram enquanto ela respirava fundo.

"Senhora, posso te perguntar mais uma coisa?"

"Claro."

"Quem está com ele agora?"

Era uma pergunta inesperada. Alguém estava com Shion – invisível, mas estava ao seu lado, no entanto. Quem era?

"É Nezumi, pergunto-me?"

"Nezumi?"

"Sim, Nezumi. Essa é a única pessoa que eu posso imaginar."

"Eu me pergunto se ele é uma pessoa muito importante para Shion"

"Eu acho que sim. Talvez até mesmo o quanto você e eu somos para ele."

Safu sorriu, e anunciou que ela estava indo para casa.

"Espere, Safu", disse Karan urgentemente. "Prometa-me que não vai fazer nada precipitado. Você vai esperar até que ele chegue em casa, né? Certo?"

O sorriso da menina não desapareceu. Mas a luz em seus olhos era desafiador, e abrigou uma intenção clara.

"Eu não gosto de esperar."

"Safu..."

"Eu sempre fui assim. Eu não posso simplesmente ficar quieta e fazer nada enquanto espero. Esta manhã, fui fazer toda a papelada para conseguir cancelar o meu intercambio. Eu estou livre agora. Então eu estou indo. Vou para onde Shion estiver, não importa o que aconteça."

Karan balançou a cabeça. Sentia-se como se não importasse o que ela dissesse, seria de nenhuma utilidade agora. Mas ela tinha que parar Safu. Ela não podia deixá-la fazer uma escolha tola e andar direto para a teia de aranha.

"Safu, eu posso ser a mãe de Shion, porém eu não sei tudo sobre ele. Mas... mas sabe, eu sei que certamente ele não iria querer que você se colocasse em perigo apenas para vê-lo. Se alguma coisa acontecer com você por causa disso ele iria sofrer por toda sua vida. Este tanto, eu tenho certeza. Então, por favor..."

Safu ergueu o queixo. Ela apertou os lábios com firmeza.

"Isso não tem nada a ver com o que Shion sente."

"Hum?"

"Estou fazendo isso porque quero. Eu estou sendo egoísta, eu sei. Mas eu não posso simplesmente sentar e esperar por Shion neste estado. Eu quero tanto vê-lo. É por isso que eu estou indo... Eu não sou mãe, Senhora, não posso ser forte como você. Eu não posso continuar esperando. Não quero lamentar nada. Se... se por alguma chance, acontecer de ele nunca mais voltar... Eu vou ser a única a sofrer por toda a minha vida. Eu não quero isso. Eu não quero perdê-lo. "

"Mas Safu..." Karan disse as mesmas palavras em voz baixa, em seu coração.

Mas Safu, você sabe, as mulheres podem continuar a viver sem um homem. Vai ser doloroso, e sentirá como se o seu membro foi arrancado, mas você ainda será capaz de viver carregando essa ferida. Mesmo com esse fardo, um dia você será capaz de rir de novo. É por isso que, por favor, não coloque sua vida em risco por qualquer homem. Por favor, viva para seu próprio bem.

Como ela poderia responder aos sentimentos devotados, difíceis e ferozes desta garota? Como ela poderia convencê-la? Karan desajeitadamente, mas desesperadamente lutava para encontrar as palavras certas. Mas, Safu já estava virando o corpo para longe dela.

"Senhora, eu estou feliz por poder de vê-la. Adeus".

Não, Safu... Nunca diga palavras de despedida assim.

"Da próxima vez, venha antes do meio dia", Karan chamou. Ela falou as palavras para que chegassem à figura vestida de cinza que lhe dava as costas.

"Antes do meio dia?"

"Sim. Eu farei o pão de manhã cedo logo antes do meio dia. No início da manhã, eu asso principalmente pães, mas mais próximo ao meio-dia eu assarei pães doces e bolos. Vou assar três tipos de bolinhos. Venha e prove. Tenho um delicioso chá preto para acompanhar também."

Houve um momento de silêncio entre as duas.

"Eu sei", continuou Karan, "Safu, se você estiver disposta, você poderia me ajudar com esta loja? Eu vou te ensinar a fazer pão. Eu fiquei muito sozinha todo esse tempo. Se você viesse trabalhar aqui, eu ficaria tão feliz."

Ela sabia que estava sendo tola. Mas o que mais eu poderia ter dito? De que outra forma eu poderia distrair seu coração de Shion? Como posso protegê-la do perigo?

"Obrigada, Senhora. Eu amo bolinhos. Eu vou esperar pelo dia em que eu poderei prová-los."

A menina mais uma vez disse suas palavras de despedida, e saiu para as ruas noturnas. Karan silenciosamente a assistiu desaparecer. Seus braços e pernas estavam pesados. Um suspiro após o outro escapou de seus lábios.

Por que o amor de adolescentes é tão forte, impaciente e cegamente devoto? Meninas nesta idade não podem nem mesmo esperar pacientemente com fé. Seus sentimentos eram tão turbulentos, tão apaixonados com saudade, e tão dolorosos.

Eu havia me esquecido completamente como era se sentir assim.

Karan suspirou novamente.

Foi depois de ter trancado e estava prestes a desligar as luzes quando Karan notou o lenço rosa. O cachecol esquecido. Ela quase podia sentir a agitação de Safu.

Sim, Safu ainda estava hesitante em sua decisão. Se ela tivesse só um pouco de incerteza, ela poderia ser capaz de impedi-la de ir. Talvez ainda não fosse tão tarde.

Karan segurou o cachecol com ambas as mãos, e abriu a porta de sua loja.

Ela estava prestes a sair do beco para a rua principal, quando percebeu que tinha esquecido o cachecol. Era uma peça de malha costurada à mão por sua avó.

Agora, cachecóis e suéteres feitos à mão tinham voltado à moda, porque muitas pessoas acharam agradável a textura de lã sobre a pele. Mas na época em que Safu era pequena, ninguém usava cachecóis na Nº 6. A maioria das pessoas vestia roupa interior feita de fibras especiais, e todas as partes que tocavam a pele mantinham o nível da temperatura. As pessoas não precisavam vestir cachecóis, nem mesmo um suéter fino ou luvas.

A avó de Safu costurava como um hobby, e ela sempre fazia suéteres e cachecóis para a neta. Os colegas de classe de Safu sempre riam dela por causa disso. Mesmo todos estando na mesma classe de elite, as crianças sempre procuravam alguma diferença para rir dos outros e minimizá-los por isso. Os cachecóis e suéteres feitos à mão tornaram-se alvo de ridicularização.

"Uau, isso é do século passado?"

"Eu só havia visto isso em museus."

Ninguém sabia o que era ter consideração pelos outros, ou qualquer coisa sobre a alma ou a dignidade de uma pessoa. Isso porque nunca aprenderam nada sobre isso. Todos acreditavam que eram os escolhidos. Os escolhidos que eram autorizados a fazer qualquer coisa. As pessoas pertenciam a duas classes: os que eram eleitos e os que não eram. Além de todo o conhecimento teórico aprendido em salas de aula equipadas com as últimas tecnologias, foi tudo o que eles aprenderam.

Mas Shion era diferente. Ele sabia como tratar os outros com o mesmo respeito com o que ele era tratado, não se colocava nem acima nem abaixo dos outros. Ele era uma aberração. Isso era o que pensava Safu sobre ele.

Esta pessoa é diferente dos outros.

Ela não se lembrava quando, mas uma vez foi elogiada vestindo um suéter preto. O suéter tinha uma faixa rosa ao redor do peito e nas mangas.

"Ficou muito bem em você."

Safu estava olhando a programação na tela do seu desktop. Hesitou por alguém ter falado com ela de repente.

"Parece ser um suéter muito bom. Posso falar somente olhando que ele realmente aquece."

"O-obrigada".

"De nada. Além disso, eu aprendi algo novo."

"Hã?"

"Preto e rosa ficam muito bem juntos. Eu não fazia ideia disso."

Não era nem de longe uma conversa normal, era abrupta e unilateral. Mas, naquele momento, o semblante alegre do menino havia deixado uma marca na alma de Safu.

Que pessoa estranha...

Era uma pessoa estranha. Ele era diferente do resto. Por isso um dia, certamente iria por um caminho completamente diferente do nosso. Provavelmente, deixando o segundo pensamento de que tudo aquilo a que nos agarramos, tudo o que aprendemos é a coisa mais valiosa.

Ela havia tido esse sentimento antes.

Então, quando Shion passou nos exames de seleção para o Instituto Superior para superdotados, perdeu seu privilégio pouco tempo depois de ir para a Cidade Perdida. Safu não estava surpresa, sua premonição havia acabado de se tornar realidade. Não havia nada para ficar surpresa. Mas ela queria saber o porquê. Ela queria saber o significado por trás dos olhos que Shion punha com tanta frequência.

O que você está olhando? Quem você está procurando?

Não deixe seus olhos vagando tão longe. Olhe para mim. Eu estou bem na sua frente.

Eram palavras tão simples, mas ela nunca teve coragem de dizê-las. Eram sentimentos tão fortes, mas nunca mostraram sinal de que queriam sair. Dispositivos de comunicação foram progredindo em qualidade dia após dia, e o cartão para telefones celulares, os computadores portáteis e o papel eletrônico todos existiam e eram usados no mundo real, mas todos eles eram inúteis para ela. Eles não tinham a função de comunicar a sua alma com quem estava ao seu lado. Isso a enchia com ansiedade.

Ela estava frustrada consigo mesma por não saber todas as palavras de confissão e Shion nem mesmo tentava sentir os seus sentimentos. Mas, mesmo assim, ela manifestou sua alma pouco antes de partir em intercâmbio. Ela estava envergonhada de si mesma por ser tão direta, mas foi a única maneira que ela pôde dizer.

Eu te quero. Eu sempre te quis.

Palavras simples e diretas. Foi a melhor confissão que ela poderia formar. Mas foi rejeitada muito facilmente.

Eu sempre pensei em você como uma amiga.

Que resposta merecedora do prêmio Oscar. Foi tão ridícula que ela queria se dissolver em gargalhadas. Tão engraçada, que era quase dolorosa.

Você, cabeça de vento idiota, cresceu um pouco, não foi?

Ela o criticou em sua mente. Mas ainda foi capaz de lhe dizer o que ela queria dizer. Isso era bom o suficiente. Sua carga ficou uma pedra de moinho mais leve. Em dois anos, quando eu voltar do meu intercâmbio, eu vou começar de novo. Eu vou olhar para ele cara-a-cara novamente, quando eu estiver dois anos mais madura. Sua alma permanece inalterada. Ela ainda sofria de ânsia por ele.

Mas a maior parte de Shion ainda não tinha sido fixada por Safu. Sua alma tinha sido capturada por outra coisa, e ele havia se esquecido dela. Pela primeira vez, ela viu este rapaz calmo e sereno de poucas palavras ficando agitado bem diante de seus olhos.

As emoções de Shion haviam perdido seu equilíbrio e ele havia ficado agitado.

Ela havia tentado seguir o olhar de Shion, através da estação, no meio da multidão de pessoas, mas ela não foi capaz de ver nada. Quem quer que fosse a pessoa que ela não podia ver provavelmente era quem Shion estava procurando. E agora, essa pessoa provavelmente estava ao seu lado. Embora ela não tivesse provas, estava certa de que fosse verdade. Não adiantava pensar quem essa pessoa poderia ser. Ele era um personagem desconhecido.

É o Nezumi, eu imagino? Isso foi o que disse Karan.

Um rato?

Existiu. Existiu um Rato. Antes de eles se separarem na estação, um pequeno rato tinha subido no ombro de Shion.

"Nezumi". Ela tentou dizer isso em voz alta. Apenas a imagem de um rato de laboratório veio à mente. O vento soprava. Ela sentiu frio em torno do pescoço. Devo voltar para pegar meu cachecol? Logo quando ela estava prestes a mudar de direção, uma sombra escura apareceu diante dela.

"Você é a Safu-san?" Ela foi chamada pelo seu nome. Um arrepio correu fraco por sua espinha. Estes uniformes, eles eram policiais da Secretaria de Segurança.

Por que funcionários da Secretaria...?

"Safu-san, estou certo?" Um dos homens repetiu a pergunta. Era uma pergunta que ele já sabia a resposta.

"Sim".

"Posso ver sua carteira de identidade?" Depois de confirmar a carteira que Safu mostrou-lhes, os funcionários olharam um para o outro e assentiram. Seus tons de voz eram corteses, mas não eram amigáveis de qualquer forma. Era mecânico, sem calor humano. O frio piorou.

"Se você não se importa, nós gostaríamos que você viesse para a Secretaria de Segurança com a gente."

"O que?"

No momento em que havia preparado um pequeno grito, ela já havia sido ladeada por funcionários de ambos os lados e levada pelos braços.

"Por favor, entre no carro."

"Não, deixe-me ir!" Ela lutou. Eles não afrouxaram.

"Parem com isso! Para que vocês estão me levando? Digam-me o porquê", Safu exigiu.

"Chegará no inferno lá e você descobrirá em breve." Suas palavras se tornaram duras. Parecia que tinham a intenção de levá-la à força. Safu deixou seu corpo relaxar.

"Tudo bem. Por favor, só não usem a violência contra mim." Ela deu um passo à frente.

"Ah!"

Ela fingiu tropeçar, e deixou seu corpo cair para frente. As mãos dos homens afrouxaram. Ela se jogou e bateu no homem à sua direita. Ele cambaleou alguns passos. Safu girou em torno de sua bolsa, e a chicoteou no outro homem. Ela correu através do espaço entre eles.

Ela tinha que ir embora. Se ela fosse capturada, nunca seria capaz de ver Shion novamente.

O que significava ser escoltada à força pela Secretaria de Segurança... Ela sabia por instinto, não por lógica. Eu nunca vou ser capaz de vê-lo novamente.

Ela vira uma sombra no final do beco. Estava muito longe para dizer claramente, mas ela podia ver que ela estava segurando alguma coisa de cor clara em suas mãos.

Seu cachecol rosa bebê.

"Senhora".

Os pés dela pararam.

Senhora, não. Não venha nesta direção.

Ela tentou contornar, mas foi agarrada pelo ombro. Seu pulso foi torcido atrás das costas. Uma dor aguda. Sua boca foi coberta quando ela abriu para gritar.

Pare.

Os homens não falaram uma única palavra a mais. Em silêncio, eles procederam para capturar Safu. Um sentimento de terror correu por todo o seu corpo.

Eu estou com medo. Não. Socorro. Ela lutou para se libertar. Ouviu o som de seu casaco rasgando. Um botão se arrancou e rolou pela rua.

Socorro. Não... ajuda...

Ela sentiu um choque em seu pescoço. Seu corpo ficou dormente, e ela não podia se mover como ela queria.

"Não... ajude-me..." Ela estava perdendo a consciência. A cena da noite à sua diante ficou turva.

Shion.

Antes que ela pudesse murmurar o nome, Safu foi arrastada para a escuridão.

Karan viu as figuras sombrias enredadas em uma luta. Ela ouviu um pequeno grito que imediatamente reconheceu como a voz de Safu. Ela hesitou por um momento, e então começou a correr, mas suas pernas não se moveram quando ela quis e então tropeçou e caiu, e bateu o joelho fortemente no chão.

No momento em que Karan se levantou de novo, os homens estavam arrastando o corpo flácido de Safu para dentro de um carro. Era como um jogo de sombras silenciosas realizado em uma rua vazia. Mas o que se desenrolava à sua frente sob as lâmpadas uniformemente espaçadas da rua não era outra coisa senão a realidade. Os homens não estavam agindo em uma ficção... eles estavam realizando a sua missão atribuída sem uma única palavra.

A Secretaria de Segurança.

Sua respiração ficou presa na garganta. Encolhida na calçada, ela era incapaz de se mover. Não era a dor, mas o medo, que impedia os pés de dar um passo à frente.

Um dos homens olhou em sua direção. Ou pelo menos ela pensou que ele olhou. Seu corpo se contraiu no horror. Karan estava encolhida longe do local onde a luz brilhava, portanto, nesta escuridão seria difícil vê-la. Mas com óculos de visão noturna, a hora da noite não era de preocupação. Eles podiam ver na escuridão, como se fosse meio-dia. Eles provavelmente poderiam ver Karan claramente como cristal.

Ela estava apavorada.

Mas os homens rapidamente entraram no carro. A caminhonete preta silenciosamente deslizou para frente e desapareceu de vista de Karan em segundos. Karan levantou-se e apertou o cachecol nas mãos.

"Safu".

Ela disse seu nome em voz alta, e o terror real finalmente se definiu. Suas mãos tremiam. Ela cambaleou para casa e trancou a porta. O leve cheiro de pão a acalmou um pouco.

Safu havia sido levada pela Secretaria de Segurança. Havia sido quase como um sequestro.

Por quê? Por que ela tem de ser capturada? É por causa de Shion? Se for, então por que é Safu, e não eu? Por que na terra...

Ela não sabia. Ela não sabia de nada.

Cheep.

Um pequeno rato tirou a cabeça de debaixo da caixa de vidro. Ele estava segurando um pedaço de pão de queijo em suas patas.

"Nezumi".

Nezumi seria capaz de ajudá-la? Será que ele lhe traria a salvação? Será que ele tomaria a mão que ela estendia a ele?

Perto do pequeno animal com olhos cor de uva, Karan estendeu a palma da mão.

Leia o capítulo 5.

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  1. Chekhov "O Jardim das Cerejeiras" Ato 3. Traduzido do inglês. [Voltar]

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